“PORQUE NO SE ENTIENDEN LOS NEGOCIOS
HASTA HALLARSE EN ELLOS”. A COLONIZAÇÃO ESPANHOLA E A
CONSTRUÇÃO DE SABERES SOBRE OS POVOS DAS ILHAS FILIPINAS (1565-1582)
Carlos Guilherme
Rocha
Descobrir o Oriente, para os
castelhanos, não era apenas povoar as “Islas del Poniente” com soldados,
colonos e missionários. Descobrir era manter contato político e
religioso com os povos que habitavam a região. Nesse sentido, partiu, em
novembro de 1564, a expedição liderada pelo adelantado Miguel López Legazpi e
pelo cosmógrafo agostiniano Andrés de Urdaneta.
Legazpi levava instrução da Audiencia do México, pedindo que
fosse dado tratamento amistoso aos habitantes do arquipélago, e que procurassem
“señores y principales” para entregar-lhes cartas escritas em nome do rei,
demonstrando “la voluntad y amor” do monarca de Castela. Foi exigido que não
cometessem abuso ou violência contra os nativos, observando que “son gente
politica”. [AGI, Patronato, 23, r. 12, img. 28] Toda ação deveria ser
consentida, do contrário, fariam apenas comércio e voltariam à Nova Espanha.
A esperança era encontrar povos de
intelectualidade elevada, de complexa estrutura política e afeitos à
evangelização. Tal imagem provinha, em boa parte, da literatura franciscana de
fins da Idade Média, sobre o extremo Oriente e suas gentes. [Morales, 2008] O
ponto XXXI da orientação a Legazpi deixa evidente isso: “con los naturales
destas partes terneis mays gran cuydado [...] con gente de muchas puliçia q
segun se tiene notª son hombres de buena rrazon”. [AGI, Patronato, 23, r. 12,
img. 27]
Passados 85 dias, a expedição, com 450
pessoas, chegou à ilha de Cebu. As primeiras notícias sobre os habitantes das
ilhas destoaram do que era aguardado. Legazpi pediu o envio de mais pessoas e
armas, “por quanto hasta oy lo que emos bisto de la gente de los naturales toda
ella viçiosa e de mala costunbres”. [AGI, Patronato, 23, r. 26, img. 1] Seriam
pouco suscetíveis e respeitosos à evangelização, por isso e pela “honra de dios
vengan al dominio a fuerça de armas”.
In: Newson, 2009, p. 2
Do lado religioso, uma das primeiras
informações foi escrita pelo frei Martin de Rada, em 1569. O agostiniano
descreveu que os soldados espanhóis cometiam ações abusivas e gananciosas,
prejudicando a evangelização. Os filipinos apesar de não terem
rei, senhor natural ou leis, poderiam ser facilmente convertidos à fé cristã,
porque “es tan grande el medo que dios les a puesto”. [AGI, Filipinas, 79, n. 1
img. 2] Portanto, os povos que viviam no arquipélago possuiriam em si uma noção
da existência divina.
Ao se inspirar no mote “sem fé, sem lei e sem rei”, o frei remete aos
primeiros momentos da conquista do continente americano [Pompa, 2003], tão
distinto do que aguardavam as autoridades castelhanas para o Oriente. O frei,
porém, não fez menção à falta de religiosidade dos nativos. Ao destacar a
humildade, a pobreza e o medo, Martin de Rada remete à obra de Bartolomé de las
Casas, que salientou diversas virtudes cristãs entre os indígenas, que, por
isso, deveriam ser livres. [Las Casas, 2011]
Apesar da referência, Martin de Rada não era exatamente um seguidor de
las Casas. Segundo o frei agostiniano, a conversão dos filipinos seria fácil,
pois agiam como macacos querendo copiar os castelhanos em tudo “en el traxe y
en la abla y en todo lo demas”. [AGI, Filipinas, 79, n. 1, img. 2] Portanto,
bastava que fossem apenas alguns espanhóis, pacificamente, tratar com os
indígenas e estes dariam “el tributo que les mandaren”.
O também agostiniano Diego de Herrera, reforçou as denúncias de Rada
sobre a violência empreendida pelos espanhóis naquelas terras, especialmente no
que tangia à escravização. O argumento dado pelos colonos para o cativeiro era
que os nativos filipinos “eran morros [muçulmanos] y q estorbaban y impedian a
la predicaçion del ebangº”. [AGI, Filipinas, 84, n. 1, img. 2] Enquanto, na
verdade, descreveu o frei, os nativos acreditavam “q cada uno viva en la ley que quisiere”. Segundo Herrera, os mouros que
lá viviam “no tienen mas q el nonbre y no comer puerco”, pois haviam tomado
essa fé havia pouco tempo. Sequer possuíam sacerdotes da fé islâmica na região.
Os informes dos agostinianos eram resposta às cartas escritas por
Miguel López Legazpi, nas quais informava que os nativos não possuíam nenhuma
forma de rito ou cerimônia religiosa, mas apenas superstições. Em vez de
virtudes, os habitantes de Cebu possuiriam vida “muy viciosa e ynconstante de
poca verdade”. [AGI, Filipinas, 6, r. 1, 7, img. 1] Já ao norte, nas ilhas de Mindoro
e Luzon, os nativos seriam muçulmanos, o que permitiria “guerra justa”.
Informações reafirmadas pelo sucessor de Legazpi, Guido de Lavezaris. [AGI, Filipinas, 6, r. 2, 15, img. 2]
Um informante anônimo escreveu, em 1572,
notícia que corrobora a de frei Herrera. Apesar de algum contato com muçulmanos
de Bornéu, os nativos da região tomaram apenas alguns hábitos, como não comer
carne de porco, mas certamente não entendiam a “lei de Mahoma”. [AGI,
Patronato, 23, 21]
Os freis agostinianos não negavam que os nativos tinham formas de
servidão. No entanto, segundo frei
Martin de Rada “los esclavos [são] los mas libres que puede” [AGI, Filipinas,
79, 1, img. 1], pois não tinham que obedecer em tudo a seu senhor. De acordo
com os agostinianos, a violenta ação espanhola provocou alterações nessa
instituição. Diante dos abusos e cobranças indevidas de tributos, a escravidão
por dívida tornou-se um mal generalizado, fazendo que os nativos vendessem uns
aos outros.
Já os colonos espanhóis, além de recorrerem
à tese da “guerra justa”, alegavam que a escravidão era uma instituição própria
e natural dos nativos do arquipélago, que ocorria, por dívidas, delitos ou
nascimento. Portanto, sem qualquer influência da colonização espanhola, “por
ninguna via y forma”. [AGI, Filipinas, 6, r. 1, 16, img. 2]
“Si desean seguir a Christo […] lo hallarán
ciertamente aqui desnudo y en la cruz”: A representação dos nativos como
miseráveis
Em 1572, o frei agostiniano Francisco de Ortega escreveu uma longa
relação ao vice-rei da Nova Espanha sobre o estado das Filipinas. O principal
tema era as “tiranias y muertes q a esta miserable gente an echo”. [AGI,
Filipinas, 84, n. 2, img. 1]
“Miserável” não era uma simples
representação, mas era determinante na elaboração da normativa e legislação
indiana em relação aos povos autóctones da América e das Filipinas. Ao atribuir
a qualidade de miserável aos indígenas, os religiosos apelavam para a tradição
medieval de tutela sobre os necessitados [Cunill, 2011]. O recurso à “miséria”
garantiria a aplicação de institutos em defesa dos nativos, como a nomeação dos
bispos como protetores dos índios, com poder de fiscalização sobre povoados e
encomiendas, e a delimitação das taxas de tributos.
Ao declararem que os nativos do
arquipélago eram miseráveis, os freis de Santo Agostinho afirmavam sua
liberdade e necessidade de proteção. Por serem neófitos – tal como os nativos
americanos – deveriam estar sob cuidados constantes e permanentes. A partir de
meados da década de 1570, o discurso religioso em relação aos povos do
arquipélago oriental, constituiu uma narrativa que intercambiava ideias e
conceitos relativos aos povos do Novo Mundo.
Apesar da aproximação com a condição dos
indígenas americanos, frei Francisco de Ortega fez distinções entre a situação
filipina e a da Nova Espanha: “sepa v. exª q no ay por aca un taxcala ni un
cholula ni tepeaca ni un tezcuco ni otros pueblos semejantes”. [AGI,
Filipinas, 84, n. 2, img. 4] Os nativos
das Filipinas não viveriam em centros bem ordenados e povoados. Essa característica
seria um empecilho não só à encomienda, mas também à evangelização, pois por
não possuírem senhor eram difíceis de “congregar y bibirse em poliçia”. [Ibid.,
img. 4]
A referência ao Novo Mundo também surge em um relatório escrito pelo
governador Francisco de Sande, em 1576. Este comparou a natureza da ilha de
Luzon à do México, afirmando que aquela seria mais fértil. Os povos locais
seriam instáveis como veados, precisando prender uns para chamar aos outros, e
que quando se afrouxava a vigilância caíam em erros e fugiam aos montes,
enquanto as instruções régias esperavam que a simples ação dos freis os
persuadisse a serem bons cristãos. [AGI, Filipinas, 6, r. 3, 26, img. 23] Sande
fez algumas distinções, os de Visayas seriam mais pobres e bravos. Os de Luzon
eram mais gentis, apesar de sua paixão por luxúria, bebidas e furtos. Ao
destacar os “tringuiañes”, o governador os comparou aos chichimecas da
Nova Espanha [Rosati Aguerre, 1995-96; Navarrete, 2011], por terem apreço por
matar e serem extremamente violentos. [AGI, Filipinas, 6, r. 3, 26, img. 17]
Enquanto os freis cobravam proteção aos nativos do arquipélago, o
governador Sande afirmava a viabilidade de se aplicar o modelo de encomiendas e
a necessidade de exercer guerra justa contra os povos belicosos.
Para Sande, a comparação com o México era a melhor forma de dar
inteligibilidade ao que se passava nas Filipinas, pois “en mexico estan tan mal
en las cosas de aca que creo nadie entiende lo q passa y oso afirmallo por que
a mi ni me dezian alla verdad ni yo lo entendia”. [Ibid., img. 23]
No ano seguinte, Frei Martin de Rada escreveu uma dramática missiva a seu
colega Juan Cruzat, usando o mesmo argumento do governador: só aqueles que
estavam no arquipélago sabiam o que lá se passava. O agostiniano pediu a seus
colegas da Nova Espanha que não se esquecessem dos miseráveis daquele
arquipélago:
“que si desean seguir a Christo lo hallaran desnudo
en mitad del invierno en un pesebre en lugar pequeño y no tan presto en las
grandes ciudades que aun a una sola mujer y essa samaritana no se desdeño
predicar. Venga primero a estos desiertos que si lo buscan lo hallaran
ciertamente aqui desnudo y en la cruz” [Rada, 1577]
Era preciso cuidar primeiro dos pequeninos, dos que sofriam, como os
indígenas das Filipinas, para só então, depois disso, passarem ao desejado
reino chinês.
Em 1578, os agostinianos passaram a dividir a evangelização das ilhas com
os franciscanos descalços. Os seráficos logo escreveram informe detalhado, e,
seguindo o discurso dos agostinianos, reclamaram da violência dos colonos
espanhóis. Os frades menores se posicionaram de forma similar à de frei
Francisco de Ortega, destacando a instabilidade dos nativos e sua dificuldade
em viver em agrupamentos maiores. Por essa condição, era missão reunir os povos
autóctones em cidadelas, nas quais os religiosos vigiariam constantemente os
nativos. [AGI,
Filipinas, 84, 46]
Os franciscanos defendiam que não se deveria agir com “el rigor de las
leyes” [AGI,
Filipinas, 84, n. 13, img. 3] contra os nativos, pois sendo
novos cristãos demandavam benignidade. Para se inteirar da fé, deveriam antes
observar a caridade e amor com que eram tratados. Novamente remeto a Bartolomé
de las Casas, que pregava a conversão dos nativos da América realizada “mansa y
amorosamente”. [BNE, mss. 3226, img. 36]
O franciscano Pablo de Jesus afirmou que os nativos “no tenian ningun
genero de religion” [AGI, Filipinas, 84, 14, img. 1] e que isso facilitava o
trabalho evangélico. Com esses dizeres o frei não quis dizer que os indígenas
careciam de crença, mas que não “estavan ensenados a acudir a templos”. Para
que adquirissem hábitos religiosos (obediência a regras, submissão à
hierarquia, frequentar um templo) era preciso que os missionários estivessem
próximos, vigiando tais ações. Assim, não só facilmente se converteriam, como
“dexan todas sus cossas passadas”, ou seja, suas crenças, as chamadas
“idolatrias”.
A definição dos índios como “miseráveis” implicava em determinada postura
do poder régio em relação a eles. O mesmo ocorreria com a constatação de que
esses mesmos nativos possuíam em si a capacidade de aprender a “verdadeira fé”,
mas que seriam instáveis demais para se manter na retidão exigida. Essa ideia,
aplicada a partir do modelo americano mudou o rumo das missões de evangelização
na época. [Pompa, 2003; Morais, 2006]
A relação de Miguel de Loarca
Diante das várias e discordantes informações, as autoridades ibéricas
solicitaram a Miguel de Loarca, regidor da cidade de Arévalo e um dos
primeiros colonos do arquipélago, a produção de um relato detalhado.
No início da década de 1580, Loarca escreveu uma longa relação
informando sobre as condições de vida de índios e mouros que habitavam as
ilhas. [AGI, Patronato, 23, r. 9] Esta distinção – entre mouros e índios – é
bastante significativa, considerando os debates que a precederam. Em Cebu (e
nas demais ilhas de Visayas), estavam os “pintados”, por conta de suas tatuagens.
Na ilha de Luzon, eram os “moros” (também
tidos como “tagalos”). Eram de línguas e condições bem distintas entre si. Além
destes, Loarca identificou os “negros”. Esses três grupos, eram generalizações,
como o próprio Loarca destacou, por hábitos e por região, incluindo variadas
identidades.
Os pintados foram descritos como simples e pobres, favoráveis aos
espanhóis. Vestiam-se honestamente, usando adereços como brincos e joias.
Produziam um vinho de arroz, que o próprio Loarca afirmou ser muito bom.
A ausência de tabus sexuais chocava o espanhol, que descreveu a
frequência de adultérios, que não eram punidos. A sexualidade feminina
incomodava especialmente Loarca. As mulheres, desde muito novas, eram
estimuladas a ter relações sexuais. A virgindade não era uma preocupação. O que
mais assustou Miguel de Loarca foi o uso do “sagra”, tido como abominável.
Tratava-se de uma alteração genital masculina, na qual uma pequena peça era
introduzida no pênis. Seu objetivo era aumentar o prazer sexual feminino. [Ibid.,
img. 29]
Em Luzon, os mouros seriam mais “industriados”. A definição “moros”
não era uma determinação religiosa, mas sim de origem, por descenderem de povos
das ilhas do sul: Bornéu, Mindoro e Luban. Loarca mostrou a existência de
alguns hábitos da cultura muçulmana, como o de não se ornamentar e o domínio da
escrita, no entanto, não seriam verdadeiros “seguidores da seita de Mahoma”
[Ibid., img. 51].
Já os negros eram os que tinham menor contato com os hispânicos,
viviam nas serras, eram belicosos e de difícil pacificação. O nome desse grupo
se devia ao tom de pele mais escuro. Quase nada se sabia sobre eles, até então.
Miguel de Loarca distinguiu diversos povos
que viviam no arquipélago, destacando características que lhe chamavam a
atenção. Os índios de Cagayan seriam “la gente mas ynportante q ay en estas
yslas” [Ibid., img. 15], por serem ótimos construtores de navios e auxiliarem
os espanhóis em reparos de suas embarcações. Já os “catanduanes” produziam de
uma espécie de aguardente, a qual bebiam todo o dia. Também adoravam um ídolo
de madeira, praticavam feitiçarias e falavam com um demônio.
Um dos locais mais destacados por Loarca foi
Ylocos, onde identificou 10 povos. Um dos que mais chamava a atenção eram os
“çambales”, pois eram parecidos com os chichimecas da Nova Espanha, por conta
de sua belicosidade. Também nessa região, havia os “bulinao”, que não eram
apenas violentos, mas que tinham por deleite fazer guerras. Estes tinham por
hábito cortar a cabeça de seus inimigos, guardando-as como troféu. Os que
tinham mais, eram mais temidos e reconhecidos. Alguns bulinaos que foram
evangelizados apresentavam evidentes sinais de instabilidade, retornando às
suas idolatrias quando eram forçados a trabalhar ou ficavam enfermos. [Ibid.,
img. 23-24] Os nativos de Pangasinan demonstravam um pouco mais de razão que os
de Ylocos, que era expressa no fato de fazerem comércio com chineses, japoneses
e muçulmanos. Porém, eram igualmente violentos.
Quanto a escravidão nas ilhas, Miguel de
Loarca descreveu que nisso as culturas tagala e visaya se pareceriam. As
pessoas se tornavam escravas por dívidas (entre os tagalos também poderia ser
por delitos cometidos), pagando o que deviam, estavam livres. Loarca destacou
que os escravos não eram propriedades (coisas), mas que havia diversas classes
de escravos, e que todos possuíam suas liberdades, dentro de algum limite.
Loarca registrou algumas práticas e crenças
religiosas dos nativos. O documento traz com riqueza de detalhes crenças de
criação do mundo e da humanidade, e como estas estavam associadas às estruturas
sociais de cada povo. Em relação aos pintados, destacou seus vários deuses, e
como a chegada dos espanhóis alterou suas práticas e suas explicações
cosmogônicas. Um exemplo são as invocações de três demônios feitas em Ybalon:
Naguineo, Arapayan e Maebarubas. De acordo com Loarca esse feitiço, que visava
a incorporação das virtudes desses demônios e o pedido da morte de outrem, foi
inventado após a chegada dos espanhóis. [Ibid., img. 47]
Segundo o regidor, os visayas acreditavam que todas as almas dos
mortos iriam para o inferno. Mas pela realização de “maganitos” (sacrifícios e
oferendas), o deus Pandaq os resgatava de Simuran e Siguinarugan, os deuses do
inferno. Salvos, iam para o monte Maya, na ilha de Panay. Os pobres, que não
tinham quem por eles fizessem sacrifícios, ficavam para sempre no inferno. Por
conta disso, Loarca questionou a moralidade dos nativos, já que seu destino não
dependia de suas obras, mas de seu estatuto e bens. [Ibid., img. 34]
A população tagala de Manila foi descrita como monoteísta, chamando
seu deus de “Batala”, grande senhor e
criador de tudo. Batala enviava “anitos”,
como ministros, ao mundo para obrar por ele. Tais anitos eram divididos por ofícios: agricultura, guerra, navegação, etc.
Segundo o jesuíta Pedro Chirino, os anitos
eram antepassados, que morreram em situações de crueldade ou de valentia.
Eles poderiam ser bons ou maus, estando sempre presente no cotidiano dos
nativos. [Chirino, 1890, p. 75]
O “catalonan” era um ritual que envolvia sacrifícios, bebedeiras e uma
espécie de transe do sacerdote. Após o transe, o sacerdote anunciava o que o
anito lhe havia informado. Perguntados porque faziam isso aos anitos e
não a Batala, responderam que Batala era grande senhor, que não poderia falar
com ninguém, estando no céu. [AGI, Patronato, 23, r. 9, img. 50]
Tendo a acreditar, seguindo interpretação do padre Pablo Pastells
[1900], que a crença em um Deus único, supremo e inacessível foi influência da
presença islâmica em Luzon, que ocorria desde o fim do século XV. Os sultanatos
de Bornéu começavam a estabelecer laços na região de Manila, através de
comércio e matrimônios, mas a incipiente difusão da fé islâmica foi barrada
pela ação cristã-espanhola. [Donoso Jiménez, 2011] Miguel de Loarca, porém, em nenhum momento sugere a aproximação entre
o islamismo e o “anitismo” dos tagalos, como também não o fizeram outros
contemporâneos, como os padres Chirino e Francisco Colín.
Conclusão
O ato de descrever o “outro”, era também o definir as formas de
contato que se firmariam entre os “outros” e a Monarquía de Castela. Os
informantes, portanto, eram agentes cruciais da colonização. Os eclesiásticos,
especialmente, não só defendiam a fronteira da comunidade cristã, mas definiam
como os que estavam dentro dela deveriam se portar e como deveria ser a
comunicação com aqueles que estavam de fora da cerca da Igreja.
Essa característica da prática clerical foi típica da chamada “Era
Confessional” [Prosperi, 2013]. Identificação social e política, a certos
indivíduos e grupos, a partir da profissão religiosa. Nas Filipinas: um índio
de Luzon era um neófito, um nativo de Mindanao era um muçulmano (portanto,
inimigo da fé). Cada definição implicava em receber um tratamento distinto: os
primeiros deveriam receber cuidado espiritual especial, pois eram “pobres e
miseráveis”; os muçulmanos (“como os de Meca”) deveriam ser combatidos
belicamente.
Referências
Carlos Guilherme Rocha é doutor em História pela UFF. Professor do
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Email: carlosgrocha@yahoo.com.br
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Boa noite, achei muito interessante o seu artigo e gostaria de saber se você indica algum doc. ou livro sobre as Filipinas?! E também gostaria de saber se entre esses povos mais agressivos houve algum tipo de resistência ou se houve uma resistência geral contra os espanhóis ?
ResponderExcluirAna Graziela Santos
Oi Ana. Obrigado.
ExcluirComo bibliografia inicial para a história das Filipinas eu indico o livro do Renato Constantino "A History of the Philippines: From the Spanish Colonization to the Second World War".
Para as Filipinas coloniais, procure pelos artigos de Antonio García-Abásolo. Ele tem uma produção bem rica e variada sobre o tema, e muito se acha facilmente na Internet.
Quanto à segunda parte. Como disse, os povos eram bem diversos. Então alguns mantiveram relação próxima com os espanhóis, ora voluntariamente, ora por algum tipo de pressão ou violência. Tornou-se até um mito da historiografia que a colonização lá, diferente da americana, foi pacífica e de quase nenhuma conflito entre nativos e espanhóis. Mas é apenas mito. Muitos índios resistiram, especialmente nos extremos do arquipélago, ao sul, os islamizados e ao norte. Alguns territórios só foram "pacificados" no século XIX.
Espero ter atendido.
Até mais
Carlos