O ANTIGO REGIME CATÓLICO PORTUGUÊS NO ORIENTE E
SUAS RAZÕES EXTRAECONÔMICAS
Antonio Carlos
Figueiredo Costa
Keren Ingrid Amorim
O presente
trabalho procura oferecer alguns subsídios para a reflexão acerca das escolhas
portuguesas em relação à vasta porção territorial denominada no século XVII por
“Estado da Índia”, expressão que equivalia ao conjunto das possessões e postos
de comércio entre Sofala e Macau, mas também a toda a costa leste da África e
da Ásia, do cabo da Boa Esperança ao Japão. Apesar dos avultados lucros com as
chamadas ‘especiarias’, fato que levou a que as frotas portuguesas fossem
armadas com navios de grande calado, os quais ficaram conhecidos como naus da
carreira das Índias, o movimento de renovação bibliográfica indica
interferências de caráter não econômicas, as quais acabaram por restringir a
inserção de portugueses no cotidiano das sociedades orientais, bem como, em
contrapartida, de seus descendentes miscigenados de pele olivácea nas
instituições religiosas cristãs, e no próprio aparelho estatal do imenso
império ultramarino português.
O Império Ultramarino Português: uma notável
simbiose?
A
bibliografia dita tradicional sempre ofereceu grande destaque às conquistas
ultramarinas ibéricas. Para que tivesse havido uma expansão comercial, antes os
mares tiveram que ser singrados, esquadrinhados pelos navegantes e geógrafos
portugueses e espanhóis, muitos dos quais eram na realidade – como os casos
destacados de Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio – súditos de outras
realezas. Apesar de tudo isso, e parafraseando Antonio Manuel Hespanha, um dos
historiadores luminares da renovação historiográfica operada com maior vigor a
partir e ao longo da década dos anos de 1980/1990, resta indiscutível que foi
‘portuguesa’ a expansão portuguesa (HESPANHA, 2009).
A
mencionada historiografia tradicional, mantida sob viés romântico por
historiadores portugueses, desde Alexandre Herculano até Jayme Cortesão,
passando por Oliveira Martins, também se esmerou em divulgar uma visão da
plasticidade dos portugueses em terras de além-mar, roteiro também trilhado do
outro lado do Atlântico por Gilberto Freyre e outros cultores de Clio em terras
tropicais. Os portugueses teriam sido a primeira das nações européias a
prosperar nos trópicos. Mas os retumbantes sucessos lusitanos sempre apareceram
localizados em terras americanas, e um pouco mais tardiamente, em território
africano. Pouco ou nada se falava sobre a Ásia e a parte oriental da África.
Conhecida como ‘Estado da Índia’, essas possessões e conquistas portuguesas
sempre foram relegadas ao espaço de poucas linhas, não raro apressadamente
mencionadas na qualidade de enclaves comerciais, cujo destaque era dado aos
portos de embarque de especiarias e produtos luxuosos. Assim, as sociedades
orientais circunscritas por séculos sob a tutela portuguesa foram descritas,
até recentemente, como envoltas sob o manto do exótico, e limitadas sob um viés
de história econômica, como origem dos produtos transportados pelas imensas
naus portuguesas de carreira das Índias, como as apresenta, aliás de forma
magistral, Vitorino Magalhães Godinho, historiador português estudioso da
expansão ultramarina (GODINHO, 1982). Sobre os súditos portugueses dessas
terras distantes, nada ou muito pouco se falava. E menos ainda, na inserção
dessa população de pele escura e religião não cristã, nas instituições
portuguesas.
As
diversas dimensões e espaços entre os vários quadrantes do vasto Império
Colonial ultramarino português puderam receber uma maior atenção em pesquisas e
produção historiográfica levada à prensa a partir do estreitamento do diálogo
entre historiadores de vários continentes, incluindo-se aí, além do norte e sul
da América, também de asiáticos e africanos, além obviamente, dos europeus, e
em especial, dos portugueses, esses últimos, conforme é notório, depositários
de uma riquíssima documentação primária constante dos seus seculares arquivos
históricos ultramarinos, para os quais foram construídos índices que
contemplaram tais arquivos, disponibilizados em tempos de rede mundial, por via
eletrônica.
Além
dessas possibilidades para pensar o passado, na perspectiva de uma reescrita da
história dita tradicional, cabe destacar face aos nossos interesses, a noção de
regime de historicidade, cunhada pelo historiador François Hartog. Conforme
sabemos, o regime de historicidade procura dar conta de momentos de crise do
tempo, o que, nas palavras de Hartog, significa a perda da evidência das
“articulações do passado, do presente e do futuro” (2013, p. 37). Ainda de
acordo com François Hartog, essa noção se constitui em uma ferramenta heurística,
e permite incidir sobre as categorias – diríamos mais, categorias de análise e
conceitos – que passam a permitir o
reposicionamento em face de uma historiografia que firmara paradigmas – Colônia
de povoamento & Colônia de povoação; sistema colonial e pacto colonial;
etc... (BICALHO, 2007) – permitindo sua crítica e reavaliação, e possibilitando
com isso sua superação para avançar no conhecimento histórico e recepcionar
novas noções e conceitos que revisitam o passado. Isso por sua vez possibilitou
ouvir o clamor de outras vozes, antes silenciadas, como colonos, negros,
indígenas, mulheres, nativos de vários continentes em suas razões – e com isso,
revalorizar a sua capacidade de agenciamento enquanto personagens históricos
alheios aos tradicionais e restritos espaços de determinação do poder. Aliás,
cabe notar que uma parcela importante da chamada ‘nova historiografia’, veio a lume em textos que remontam à década
de 1960, pela lavra paradigmática de historiadores como Charles Ralph Boxer, às
quais foram traduzidas para o leitor de língua portuguesa, senão nessa mesma
década, ainda na década seguinte” (BOXER, 1961; 1967, 1977).
Assim, a
reformulação de conceitos e noções basilares a que pensemos os tempos
pretéritos passaria também por questões enfrentadas no presente vivido: a
globalização assimétrica, o preconceito racial, o fanatismo religioso e
evidentemente, as várias faces da jihad.
Dessa forma, fica oferecido um exemplo emblemático da história na sua tarefa de
responder ao desafio de ser “filha do seu tempo”, conforme nos explica um dos
fundadores dos Annales:
“[...] a história não apresenta aos homens uma colecção de
factos isolados. Ela organiza esses fatos. Ela explica-os e portanto, para os
explicar, transforma-os em séries, a que não presta igual atenção. Porque, quer
queira quer não – é em função das suas necessidades presentes que ela recolhe
sistematicamente, e em seguida classifica e agrupa os factos passados. É em
função da vida que ela interroga a morte.” (FEBVRE, 1989, p. 257).
Mantendo
essas questões postas em pauta, quem eram esses portugueses empenhados na
expansão ultramarina? E mais, como se movia o reino quinhentista face às
ameaças européias (reforma protestante, guerras e alianças continentais) e aos
desafios do ultramar?
O pequeno
reino português, constituído sob um forte viés cristão, e formado a partir de
cruzadas, levadas a efeito na própria península ibérica, contra o ocupante
muçulmano, era uma espécie de cadinho entre as representações de mundo do
medievo, ao mesmo tempo em que se tornara o lócus
dos avanços tecnológicos e desafios da modernidade. Conforme defendeu
Jean-Frederic Schaub, a função principesca e real, não somente em Portugal, mas
em toda a Europa, era estendida “...das mais diversas maneiras, como um vicariato
do Cristo, do qual é fiadora a aliança do príncipe com a Igreja” (2014, p.
111). Assim, a aliança do rei português
com a Igreja, e as próprias ordens militares de Avis, Santiago e Cristo, cujos
mestrados, conforme observa Nuno Gonçalo Monteiro (2009, p. 231), foram
incorporadas à Coroa, em 1551, bem como a criação do Tribunal do Santo Ofício
(1534), atestam de forma iniludível, a natureza das instituições que permeavam
o reino português durante o Quinhentos, bem como esclarece a sanção do papa aos
desígnios do rei de Portugal – assim como da Espanha – no além-mar, tornados
esses soberanos, os mais destacados defensores da fé cristã.
“Por mares
nunca de antes navegados”, conectando historiografias
“As armas
e os barões assinalados, que, da Ocidental praia Lusitana, por mares nunca de
antes navegados...” (CAMÕES, 2012, p. 2). Com esses versos, o renomado Luís Vaz
de Camões iniciou seu escrito épico, o qual passou a ser lido, a partir do
século XIX, “como a epopeia colectiva de um povo” (RAMOS; SOUSA; MONTEIRO,
2009, p. XIV). Mas, conforme esses mesmos autores esclarecem, o texto do poeta
quinhentista privilegiava, de fato, os feitos de algumas famílias que eram
aparentadas à do próprio autor. Para entendermos com maior efetividade a
história das conquistas portuguesas nosso esforço terá que alcançar muito além
dos textos épicos, e mais adiante da historiografia romântica surgida no
vórtice da afirmação dos estados nacionais, em ensaios lapidares que foram
levadas à estampa ao longo do século XIX. Essas narrativas históricas, conforme
sabemos, foram articuladas ao processo de afirmação dos estados nacionais, sob
a tentativa de plasmar e projetar uma ideia de nação soberana na
contemporaneidade. Assim, as crônicas dos reinados das sucessivas monarquias portuguesas
– Borgonha, Avis, Bragança – foram tomadas como ponto de partida para uma
historiografia considerada fundante – sob a pena de Alexandre Herculano, com
sua ‘História de Portugal’, ensaio ajustado aos paradigmas daquilo que era
considerado como uma história “científica” em meados do dezenove – i.e.,amparada na nascente metodologia
rankeana de crítica e seleção documental, porém mantendo compromisso com um
modelo de escrita de história que prezava por um caráter identitário, capaz de
perscrutar do passado os gérmens de uma sacrossanta união nacional, e com isso
prover, conforme o modelo demonstrado nas obras de Walter Scott, exemplo então
onipresente de como deveria ser escrita uma história romanceada e viva, com
técnicas romanescas tomadas da ficção, e postas a serviço da narrativa
histórica, então consideradas capazes de devolver a vida ao passado (DELACROIX;
DOSSE; GARCIA, 2012, p.41-42).
Mas, caso
se queira uma visão mais vívida e próxima do real, cabe desvencilhar de toda
essa construção que, aliás, é fundamentalmente burguesa, de avanço sobre o
mundo para transformá-lo à sua imagem e semelhança – branco, capitalista e
cristão – para nos debruçarmos sobre questões que vão muito além da mais
estrita história política afinada com os tradicionais territórios discursivos
acerca do poder. Teremos então que conhecer de forma mais efetiva quais eram as
balizas culturais nas quais se apoiava toda essa expansão. Afinal, nas raízes
das motivações econômicas da expansão ultramarina portuguesa há um manancial de
escolhas que, algo relativamente recente, vem sendo explorado por um vigoroso
movimento de renovação historiográfica que acabou jogando por terra antigos
conceitos tais como os de “colônia” e “metrópole” e as relações que lhes seriam
inerentes, para propor noções novas, tais como a de “autoridade negociada” (J.
GREENE apud. FRAGOSO; GUEDES, KRAUSE,
2013, p. 27), o que acabaria, ainda de acordo com os autores que logo acima
mencionamos, por romper com uma arraigada concepção de subordinação política
das chamadas colônias, bem como de suas elites – as ‘nobrezas da terra’ –
frente às autoridades metropolitanas européias.
Oriente: o “outro” hemisfério do Império
Português
Ao
lançar-se ao mar, quais eram as representações de mundo que orientavam as escolhas
dos portugueses? Jean-Fredéric Schaub considerou que haviam dois níveis de
eurocentrismo a mobilizar as ações dos portugueses, sendo o primeiro deles na
observação dos espaços da conquista tomando por base o velho continente
europeu. O outro nível, que nos interessará mais de perto, tem a ver com a
reprodução da dominação das populações de origem européia sobre as demais
populações nativas. Ao lançar-se sobre a África e firmar nesse continente
vários enclaves comerciais, os portugueses aproveitaram-se de uma justificativa
de origem bíblica, constante do capítulo IX do Gênesis. A narrativa remete ao
patriarca antediluviano Noé, e à sua descendência: Jafé, Sem e Cam. Ao
desrespeitar seu pai, Cam, teria sido amaldiçoado, juntamente com toda a sua
descendência, por Noé, a servir como escravos a seus irmãos. Ao início da
expansão ultramarina, essa descendência já havia sido identificada aos homens
do Sul, do clima quente e pele escura, como os africanos. Os formidáveis lucros
do comércio escravista trataram de consolidar o aparato ideológico ao início da
Idade Moderna (BARROS, 2009, p. 74). Mas, e quanto aos filhos de Sem? Ora, a
essa descendência eram associados os judeus, os árabes, mas também os povos
asiáticos como indianos e chineses. Sabemos também que os judeus estiveram na
origem, assim como os árabes – esses últimos antigos senhores na Península
Ibérica – da institucionalização da limpeza de sangue, medida de apuramento que
ocorria nas várias instituições portuguesas a partir de finais do século XV. Assim,
ao longo do século XVI, após a expulsão dos judeus e mouros pela Coroa
Castelhano-aragonesa (1492), conforme nos informa Fernanda Olival, eram as
provações – apuramentos de sangue até a quinta geração – que autorizavam, ou
não, o acesso tanto ao serviço religioso, quanto aos colégios maiores e ordens
militares portuguesas. Para essa autora, “os estatutos de limpeza de sangue
eram, com efeito e nalguns contextos, uma forma de eliminar a concorrência”
(2004, p. 159).
E como se
dava a relação dos leais súditos da coroa portuguesa no Oriente, junto aos
‘filhos de Sem’, nativos daquelas paragens?
Alguns dos trabalhos de Charles Ralph Boxer (1967 e 1977) nos oferecem
subsídios valiosos. Assim, de acordo com Boxer, os portugueses estenderam sua
cruzada da península ibérica e do Marrocos até o Oceano Índico, e a guerra se
fazia aos inimigos da ‘santa fé católica’. O clero português era instado a
manter o controle nas relações entre cristãos e povos nativos, e a inquisição
de Goa conseguiu afirmar sua triste celebridade através dos séculos. O ‘Estado
da Índia’ era um império marítimo moldado sob forma militar e eclesiástica, o
que equivaleria a dizer, segundo Boxer, que:
“Todo
português que ia para o Oriente fazia-o a serviço da Coroa ou da Igreja. Os
leigos que casassem depois de chegar à Índia tinham permissão de deixar o
serviço real e estabelecer-se como cidadãos ou comerciantes e eram chamados de
casados. Os outros eram classificados como soldados e estavam sujeitos ao
serviço militar até a morte, casamento, deserção ou incapacidade por ferimentos
ou doença. ‘Pois He terra de conquista e fronteira’ escreveu um frade
missionário franciscano de Goa em 1587, e este é o tema que voltará a aparecer
repetidamente nos duzentos anos seguintes. ‘Digam aos senhores: existe hoje
neste mundo, outra terra que seja mais selvagem e em que seja mais necessário
andar com armas nas mãos que na Índia? Evidente que não!’ Escreveu Diogo do
Couto em seu Soldado Prático” (1967, p. 92-93).
Caberia
ainda dizer que os portugueses estavam convencidos da sua superioridade
enquanto povo de raça branca. A classificação de fundo religioso adotada
confortavelmente no século XVI, daria vez a uma versão descritiva das raças
humanas por Carolus Linnaeus,
botânico sueco que dividira a ‘raça humana’ em quatro, a saber: americana,
asiática, africana e européia. Para aqueles que antes seriam classificados como
filhos de Jafé (os europeus), reservara Linnaeus
auspiciosas qualidades como a de serem sanguíneos, musculosos, engenhosos e
inventivos, e, sempre governados pelas leis. Restava aos originados da
descendência de Sem (asiáticos), serem melancólicos, governados pela opinião e
preconceitos. (BARROS, 2009, p. 76). Já no final do século XVI, conforme
identificaram as pesquisas de Charles Boxer, havia recusa quanto à admissão de
hindus e mestiços nas fileiras das Ordens religiosas e forças armadas da Coroa
na Índia (1967, p. 99). Houve pressão de Roma, já na segunda metade do século
dezoito, para que ocorresse a aceitação de hindus nas fileiras religiosas. Mas
a política da Coroa portuguesa em relação ao Estado da Índia nunca se destacou
pela clareza. Ainda de acordo com Boxer:
“O que é
certo é que a discriminação racial em favor dos portugueses nascidos na Europa,
se nem sempre foi aceita em teoria, era praticada pela maioria dos governadores
e vice-reis ultramarinos. A correspondência de vive-reis sucessivos de Goa é
cheia de queixas contra a inferioridade física e moral, real ou alegada, dos
mestiços comparados aos portugueses nascidos e criados na Europa. Sempre que
possível, portugueses brancos eram destacados para os mais altos postos do
governo e comandos militares, assim como altos cargos eclesiásticos, os
mestiços e os de sangue misturado ficavam com as posições secundárias.” (1967,
p. 104-105).
Considerações Finais
Um reino
que punha velas ao vento sob o signo da cristandade não poderia limitar-se a
uma expansão meramente econômica. Um povo que tivesse se mantido com base em
uma disciplina social afinada com o Antigo Regime, de fundamentação religiosa
católica e base ideológica fundamentalmente escolástica, não conseguiria ficar
imune, no além-mar, ao racismo e à intolerância religiosa. Parafraseando
C.R.Boxer, uma raça que submeta ou escravize a outras, por séculos, e de forma
sistemática, acabaria por adquirir um sentimento de superioridade, consciente
ou não. A plasticidade portuguesa, enaltecida sob os arroubos românticos da
historiografia tradicional merece uma crítica, ainda que respeitosa. Revisitar
o passado sempre foi a tarefa dos historiadores, tempos afora. Mas as brumas
dos tempos pretéritos somente passam a oferecer a visibilidade para uma
história crítica a partir, como sabemos, da qualidade das perguntas que se faz
aos documentos, tomada aqui a palavra em seu sentido lato. É isso que a
renovação historiográfica ainda em curso vem realizando com inaudito sucesso.
Não havia um ‘modo português de estar no mundo’, da forma como pensou Gilberto
Freyre em seus textos que defenderam o lusotropicalismo. Ao rés do chão, e
ainda que em esboço, acreditamos ser defensável, com base na historiografia
recenseada, dizer que existiam na monarquia portuguesa poderes concorrentes,
como a aristocracia, ciosa por seus direitos, consuetudinariamente expostos em
uma sociedade de antigo regime na forma de honras e mercês, bem como as comunas
municipais, compostas por uma ‘nobreza da terra’, estamentos de uma sociedade
corporativa de base católica, que separava cristãos novos de cristãos velhos e
que transitava à órbita de uma ‘economia do dom’. Era a esses últimos que o
poeta Camões enaltecia. Em suma, o reino quinhentista era uma monarquia
polissinodal que oferecia o arcabouço para uma sociedade de valores
hierárquicos muito arraigados. Conforme sabemos, haviam impedimentos quase
sempre intransponíveis para aqueles que se propusessem a passar ao honroso
serviço nas Índias, cujo ordálio começava por provações junto ao Santo Ofício.
Nesse sentido, conseguir o cravo-da-índia, a noz-moscada das Molucas, a canela
do Ceilão ou a pimenta do Malabar, concorria com as barreiras postas à cor da
pele e à religião.
Referências
Antonio
Carlos Figueiredo Costa é doutor em História (UFMG) e professor da Universidade
do Estado de Minas Gerais, Unidade acadêmica Ibirité. Leciona História da
Educação e Teoria e Metodologia da História na Unidade acadêmica Ibirité
(UEMG). Juntamente aos encargos docentes, atua como pesquisador em temas
referentes ao diálogo entre a Academia e o ensino de História, bem como sobre o
uso do Teatro (Brecht, Piscator, Boal) para finalidades de conscientização e
ação política. Líder do Grupo de Pesquisa José Carlos Mariátegui e Editor das
revistas Bantu e Anais da Jornada Pedagógica. Coordena o Projeto de Extensão “O
ensino de História e as novas linguagens”.
Keren
Ingrid Amorim é graduada (Licenciatura) em História (UFOP), e graduanda em
Pedagogia (UEMG), na Unidade acadêmica Ibirité. Atuou como bolsista da Fundação
de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), e do Programa de Iniciação
Científica (PROBIC), programas nos quais desenvolveu projetos com temáticas
sobre formação inicial e continuada de professores, teorias de
ensino/aprendizagem, diversidade e novas linguagens de ensino. Integra o Grupo
de pesquisa José Carlos Mariátegui e participa do Projeto de Extensão “O ensino
de História e as novas linguagens”. É professora na rede pública municipal de
ensino de Ibirité.
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Antônio e Keren. Parabéns pelo instigante texto. Minha última pesquisa, ainda em andamento, tem como mote a inquisição portuguesa. Vocês apontam a fundamentação católica como elemento importante para práticas pautadas no racismo e na intolerância religiosa. Para além das ações inquisitoriais e da escravidão africana, vocês identificaram outras manifestações que também podem ser inseridas nesse quadro de violência e estigmatizações? Um abraço e, mais uma vez, parabéns pela importância da reflexão proposta.
ResponderExcluirOlá, Marize. Tudo bem? Olha, a sociedade portuguesa da época das "grandes navegações",era conforme dizem alguns autores, polissinodal. As antigas famílias, que podemos talvez traduzir como "cristãos velhos", a Igreja, suporte ideológico mas também espécie de cimento institucional, e um reino cuja dinastia, conforme sabemos a de Avis, fora instituída por uma revolução ainda no século XIV, que acabou voltando Portugal para o mar. A sociedade portuguesa era bastante hierárquica, ou como preferem alguns, fortemente hierarquizada, com acento sob o "pater famílias" (mais uma vez isso aparece, entendemos tanto na família, quanto na Igreja, padre/pai, quanto na figura do rei. Quando começamos a verificar como isso se dava no reino quinhentista, passamos a encontrar certos filtros, e uma espécie de "chão comum" que passava pela religião, pelo cristianismo romano: era assim para matrículas nas Universidades portuguesas, para o aparelho de Estado, para ordenar padres, para postos nas conquistas e possessões. Na verdade, funcionava como uma espécie de reserva de mercado para as ocupações das elites portuguesas, conforme entendemos (atrás e fundamentados obviamente em Boxer, Russel-Wood, etc...). Aproveitamos para agradecer as palavras amáveis e desejar sucesso para a sua pesquisa em andamento.
ResponderExcluirA releitura das narrativas históricas do império português vem sendo elucidativa em vários aspectos, fico imaginando que no Brasil foi implantada esta mesma estratificação tendo por base a mestiçagem e fundamentada na condenação dos descendentes de Cam!
ResponderExcluirTiago Motta
Olá, Tiago. Certeiro. Até bem pouco tempo atrás, mesmo a produção historiográfica marxista voltada ao chamado "Período Colonial" nos oferecia, de Caio Prado Júnior a Fernando Novais, passando por Ciro Flamarion Cardoso, uma leitura muito economicista do processo de colonização (tripé explicativo de Caio Prado - latifúndio monocultura escravidão, sentido da colonização; brecha camponesa do Ciro Flamarion; Sistema Colonial, pacto colonial do F. Novais). O atual território brasileiro não sendo pensado como parte do Império Colonial Português, mas como "Brasil", a protonação já dentro da Colônia, o sentimento nativista da historiografia romântica de Afonso Taunay, de Lúcio José dos Santos, de Jayme Cortesão. Ironicamente, na década de 1960, quando a historiografia se renova, parte da universidade ou lia Caio Prado (marxista) ou Hélio Silva (liberal conservador). O "romantismo" de uma leitura fendida em duas versões: na marxista, a luta contra a exploração estrangeira; pelo lado conservador, o elogio da colonização portuguesa (Francisco Adolfo de Varnhagen) e o re-elogio, do qual o exemplo mais sucedido foi Gilberto Freyre. E aí, todas as exclusões ficavam de lado...
ResponderExcluirCompletando, a Ditadura instaurada em 1964 não se interessou nem um pouco pela difusão das versões que já circulavam na Inglaterra e nos EUA. Portugal vivia também sob uma ditadura, envolvida no mito que é também freyriano, do lusotropicalismo. Independências na África portuguesa, e nenhuma palavra quanto aos descendentes de "Cam", usando sua metáfora, que vieram para a América, como trabalhadores escravizados, mas que na verdade eram hábeis agricultores tropicais, experts na pecuária extensiva e mestres da siderurgia. Assim, o sucesso dos portuguesas, primeiro povo a prosperar nos trópicos, foi resultado do conhecimento de africanos acostumados já na África, com as condições climáticas que aqui encontrariam. E nas escolas, a difusão do sentimento patriótico, a união de "três raças" em Guararapes. O "traidor" em Calabar, etc...O historiador José Honório Rodrigues morreu sem que fosse devidamente ouvido quanto à nossa História, e João Capistrano de Abreu, não teve o devido reconhecimento até hoje. Em compensação, se louva a Varnhagen. Não que lhe faltassem méritos, evidentemente...
ResponderExcluirBom dia, Antonio e Keren. Devo dizer que sua apresentação foi muito interessante. Eu gostaria de fazer uma dupla consulta: por um lado, se alguma referência especial pode ser feita ao relacionamento, entre portugueses e árabes na costa leste da África no período abordado por você? e por outro, se nesse período, ainda podemos observar algum aspecto da ocupação árabe em Portugal, que se refletiu de alguma forma no chamado “Estado da Índia”? Obrigado antecipadamente!
ResponderExcluirJavier Octavio Guerin
Olá, Javier Octavio. Como vai? Começamos agradecendo seu interesse em nosso texto, bem como as palavras amistosas que nos servem de incentivo a prosseguir. Começando pela Costa Leste Africana. Boxer (1967), dividiu sua obra em três partes, uma delas, dedicada à África, porém, acentuando a parte Oeste. Mas sabemos das recepções e ressignificações ocorridas na cultura tradicional dos povos africanos, e em especial nas suas religiões, em decorrência da influência árabe, entre os séculos VII e XIV, especialmente. Portanto, o período que o reino quinhentista se forma, não coincide com o vórtice da expansão muçulmana na África. Ficam populações islamizadas. Assim, como ficaram na Península os mouros, de origem árabe-berbere cujos ascendentes haviam conquistado a região, sendo que após a reconquista cristã, muitos lá aclimatados, permaneceram. Lembremos que mourejar ainda possui na semântica da língua portuguesa, o significado de trabalhar, ou seja, o contrário do ideal de vida contemplativa cristã. Caberia ainda recorrer ao extraordinário dicionário Bantu, do Nei Lopes, onde tantas palavras são provenientes da cultura muçulmana. Cabe também lembrar do mito da "moura encantada", ideal de mulher morena, de origem árabe, que tanto fascinou os portugueses no Norte da África, conforme observou Gilberto Freyre, às quais, foram tomadas semelhanças com as Índias da América e as nativas da Ásia. O C.R.Boxer tem um artigo seminal sobre isso, publicado em 1961 na revista de História (USP) sobre os fidalgos portugueses e as bailarinas indianas. Quanto à própria península, assinalemos os moçárabes, cristãos ibéricos que conviveram com o domínio muçulmano, conservaram sua religião, não se convertendo ao Islã, mas adotaram elementos, traços culturais da cultura árabe. Em suma, a arquitetura, tanto portuguesa, mas também castelhana, é tributária da ocupação muçulmana da península, suas práticas culturais e comerciais, etc... certamente permaneceram no trato das possessões e conquistas portuguesas, e a própria arte de navegar, foi muito aperfeiçoada pela adoção das tecnologias das quais os árabes eram à época, depositários.
ResponderExcluirTem sido muito esclarecedor. Totalmente satisfeito com sua resposta. Muito obrigado Antonio!
ExcluirJavier Octavio Guerin
Boa Tarde!
ResponderExcluirAntonio e Keren.
Está leitura me faz despertar o que mais ha de curioso no período quinhentista. Então uma curiosidade, Podemos considerar que os conchavos políticos de hoje são frutos dos portugueses?
Leticia Monteiro Barros
Olá, Leticia. Primeiramente, obrigado pelo interesse em nosso trabalho. Bem, somos herdeiros de uma vertente da cultura política ocidental cujo tronco principal aparece qualificado como de matriz grego-romana de inspiração cristã. Contudo, devemos lembrar esse reino quinhentista é parte de um Antigo Regime, uma sociedade que não é de classes, mas estamental, e cujos papéis eram portanto adscritos, e não adquiridos. Era a chamada teoria do poder da II Escolástica que dava as cartas nesse período, em uma sociedade que entre o século XIV e o XVIII, em um crescente, afirmou-se como sendo uma Sociedade de Corte, conforme observou Norbert Elias para o Ocidente.
ResponderExcluirPrezada Keren e prezado Antônio,
ResponderExcluirEm seu texto, ficou bastante evidente e bem demonstrada a resistência dos portugueses à inclusão de outras etnias em seus quadros militares e religiosos. No entanto, uma afirmação intrigante me chamou a atenção: a pressão de Roma, na segunda metade do século XVIII, para que ocorresse a aceitação de hindus nas fileiras religiosas. Nesse caso, qual a justificativa – ou o real interesse – do Papado nessa inclusão? Foi somente com relação aos hindus e a outras etnias também?
Valmir Medina Riga
Olá, Valmir. Essa foi uma conclusão a que Boxer chegou, para seu livro sobre as relações raciais no Império Português. Mas há outra obra, que é o Império Marítimo Português que ele se refere às raças infectas. Como sabemos, a expansão portuguesa se deu sob o acorde de cruzada cristã, mas o reino português era polissinodal. Ou seja, nem a Igreja, nem o Rei mandavam sozinhos. Daí a ideia de monarquia compósita, soberania fragmentada, a própria noção de nobreza da terra que acabava materializando os interesses dos grupos dominantes em Portugal e no ultramar. Há autores como Antônio Manuel Hespanha (antigo regime),Angela Barreto Xavier (economia do Dom) e Fernanda Olival (ordens militares) que demonstram no geral (Hespanha) e em aspectos particulares, como se dava a distribuição de honras e mercês, reconhecimento expresso pelo Rei, mas compartilhado pela sociedade portuguesa em seus estamentos dominantes. Em suma, a Igreja de Roma tinha o interesse de expansão, de avançar sobre territórios de outras religiões. Um clero nativo - daí o interesse - facilitava a universalização da fé católica. Observemos que a chamada Cristandade (leia-se em sentido lato, Europa) ficou por muito tempo, acossada por muçulmanos ao sul - finalmente detidos em Poitiers por Carlos Martel, no mediterrâneo, derrotados em Lepanto pelas forças de Felipe II, mas nos limites da Ásia, e mesmo na África e até nas Américas, haviam resistências. Acho que é isso. O legal da História, acho, é que sempre há muito mais do que buscamos originalmente.
ResponderExcluirPara muitos historiadores, a questão da nobreza de sangue, foi uma das bases fundamentais para a gênese do racismo e escravização de outros indivíduos pelos portugueses, como Ronaldi Raminelli apresenta nos seus últimos estudos e no recente livro Nobrezas e principais da terra: a dinâmica das elites coloniais, e que a partir deste princípio a submissão de outros povos era inevitável. Como podemos traçar um paralelo entre a questão da nobreza e religião, ao mesmo tempo assimilando o estigma da cor para a escravidão moderna e não estigma da cor para a escravidão antiga nos domínios da África e Ásia, nos séculos XV e XVI, e, posteriormente, na América portuguesa?
ResponderExcluirElderson Ferreira Gonçalves
Olá, prezado Elderson. É uma das justificativas. Primeiro bíblica, depois cívica, após isso, científica (o darwinismo social). No caso europeu, conforme sobejamente todos sabemos, havia uma tríade de condições: ser branco, proprietário e cristão. No caso da América Portuguesa, ou trocando em miúdos, do Brasil, que nos interessa mais de perto, a condição de nobreza da terra veio a se espraiar na construção da nacionalidade, ou seja, após 1822, na condição conhecida como "pertencimento a uma 'boa família'", característica que fazia com que o súdito do Império ficasse separado da ralé (não-proprietários, mesmo que brancos), mestiços, índios e escravos. Na Antiguidade a cor não possuía essa importância. Tenho um artigo sobre esse tema, cujo título é "O ordálio de Can", publicado em 2017 na revista acadêmica Transverso (periódico da UEMG). Ano passado, ajudei a organizar um pequeno volume, intitulado 'Relações étnicas, conexões possíveis', sendo que no capítulo que escrevi, cunhei o conceito de racismo transhistórico, observando o caso brasileiro. Infelizmente nessa plataforma não dá para anexar nada. Mas, caso tenha interesse, é fácil de achar. Abraço, e obrigado pela pergunta.
ResponderExcluirAo mesmo tempo que a evangelização pretendia unir diferentes povos sob a defesa da fé cristã, a exclusão dos gentios no campo social hierarquizado se fazia presente. A partir dessa condição, quais finalidades eram tidas para as feitorias coloniais portuguesas na África, Ásia e América portuguesa?
ResponderExcluirElderson Ferreira Gonçalves
Olá, Caro Elderson. Exceção feita à América portuguesa, na qual a Companhia de Jesus tomou as rédeas já no primeiro momento, e os jesuítas colheram resultados ao menos nominais na catequização - ridicularizando, mediante a ação dos curumins, os pajés e morubixabas - e grosso modo, foram utilizadas a prática da doação de capitanias, divididas em sesmarias, para exploração, e como sabemos, integração ao comércio mundial pela produção das plantations, em África e no estado da Índia as coisas aconteceram de forma um pouco diversa. Apesar das práticas evangelizadores em específico, fugirem um pouco do nosso intuito, pelo viés, acho que podemos dizer que em Moçambique e Índia encontramos maior interrelação nas práticas portuguesas de exploração. Lá, ao contrário da África Ocidental, onde está a "costa do ouro' e a costa dos escravos, com seus presídios e feitorias, encontravam-se os "prazos". Se na Guiné e em Angola os portugueses acabaram sendo bem sucedidos, veja que o soberano de Angola deu-se ao batismo, de sua família e cristianizou seu reino, na África oriental e na Ásia, onde os interesses portugueses eram algo diversos (nem produção agrícola massiva, e nem comércio de escravos), foram estabelecidos prazos. Esses prazos eram fundados por aventureiros brancos, mestiços (brancos com negros) ou goanos, e funcionavam como reinados particulares integrados ao sistema tribal bantu. Ao que parece - é muito temerosa essas generalizações - e portanto sugiro que face ao interesse pesquise em fontes específicas - houve muita resistência, inclusive de tribos hostis, e muitos senhores desses prazos africanizaram-se. A coroa portuguesa transformou esses prazos em propriedades sujeitas ao tributo. Nesses ambientes, também ocorreu das mulheres brancas cristãs travarem amizade com mulheres muçulmanas, e adquirirem práticas religiosas e de lazer que as faziam parecer muçulmanas. Havia a prática de cincuncização dos filhos, o que deixava os frades que lá atuavam, possessos. Historiadores como Vitorino Magalhães Godinho e John Russel-Wood, sempre que tratam do estado da Índia, enfatizam a questão das trocas comerciais. Godinho fala da resistência oferecida por Calicute para abrir-se ao comércio.Prata, cobre, chumbo, aço, coral, azougue, pedra ume,panos diversos....além daquelas especiarias que todos ouvimos falar em nossos primeiros bancos escolares. Um estudo comparado oferece dificuldades e riscos. Se nem a América portuguesa oferece uma perfeita homogeneidade, o que se dirá da África, tão multiforme? E o que podemos falar em termos de singularidades em relação a uma rede de fortalezas, feitorias, cidades, povoações e missões que se estendiam, desde o Cabo da Boa Esperança até o Japão? Há um autor que mal começamos a explorar que é o Sanjay Subrahmanyam. Para o caso da África, e referindo-se à presença ocidental, há o Thorton. Outros subsídios que poderão vir a ajudar, estão nas perguntas acima que já respondemos.Como vemos, o trabalho para todos nós, cada um com suas interrogações, está somente começando...obrigado pelo interesse e sucesso em suas pesquisas.
Excluirolá, vocês poderiam apontar algumas diferenças que podem ser descritas como cruciais entre o modelo cristão de catequese utilizado no oriente e o modelo adotado nas Américas, ou ele se deu da mesma forma. Obrigado. Marcos
ResponderExcluirOlá, Caro Elderson. Exceção feita à América portuguesa, na qual a Companhia de Jesus tomou as rédeas já no primeiro momento, e os jesuítas colheram resultados ao menos nominais na catequização - ridicularizando, mediante a ação dos curumins, os pajés e morubixabas - e grosso modo, foram utilizadas a prática da doação de capitanias, divididas em sesmarias, para exploração, e como sabemos, integração ao comércio mundial pela produção das plantations, em África e no estado da Índia as coisas aconteceram de forma um pouco diversa. Apesar das práticas evangelizadores em específico, fugirem um pouco do nosso intuito, pelo viés, acho que podemos dizer que em Moçambique e Índia encontramos maior interrelação nas práticas portuguesas de exploração. Lá, ao contrário da África Ocidental, onde está a "costa do ouro' e a costa dos escravos, com seus presídios e feitorias, encontravam-se os "prazos". Se na Guiné e em Angola os portugueses acabaram sendo bem sucedidos, veja que o soberano de Angola deu-se ao batismo, de sua família e cristianizou seu reino, na África oriental e na Ásia, onde os interesses portugueses eram algo diversos (nem produção agrícola massiva, e nem comércio de escravos), foram estabelecidos prazos. Esses prazos eram fundados por aventureiros brancos, mestiços (brancos com negros) ou goanos, e funcionavam como reinados particulares integrados ao sistema tribal bantu. Ao que parece - é muito temerosa essas generalizações - e portanto sugiro que face ao interesse pesquise em fontes específicas - houve muita resistência, inclusive de tribos hostis, e muitos senhores desses prazos africanizaram-se. A coroa portuguesa transformou esses prazos em propriedades sujeitas ao tributo. Nesses ambientes, também ocorreu das mulheres brancas cristãs travarem amizade com mulheres muçulmanas, e adquirirem práticas religiosas e de lazer que as faziam parecer muçulmanas. Havia a prática de cincuncização dos filhos, o que deixava os frades que lá atuavam, possessos. Historiadores como Vitorino Magalhães Godinho e John Russel-Wood, sempre que tratam do estado da Índia, enfatizam a questão das trocas comerciais. Godinho fala da resistência oferecida por Calicute para abrir-se ao comércio.Prata, cobre, chumbo, aço, coral, azougue, pedra ume,panos diversos....além daquelas especiarias que todos ouvimos falar em nossos primeiros bancos escolares. Um estudo comparado oferece dificuldades e riscos. Se nem a América portuguesa oferece uma perfeita homogeneidade, o que se dirá da África, tão multiforme? E o que podemos falar em termos de singularidades em relação a uma rede de fortalezas, feitorias, cidades, povoações e missões que se estendiam, desde o Cabo da Boa Esperança até o Japão? Há um autor que mal começamos a explorar que é o Sanjay Subrahmanyam. Para o caso da África, e referindo-se à presença ocidental, há o Thorton. Outros subsídios que poderão vir a ajudar, estão nas perguntas acima que já respondemos.Como vemos, o trabalho para todos nós, cada um com suas interrogações, está somente começando...obrigado pelo interesse e sucesso em suas pesquisas.
ResponderExcluirOlá, Marcos, acabei copiando a resposta dada ao Elderson, por haver semelhança nas perguntas. Como vemos, entre as partes do imenso império ultramarino português, o único fator de real semelhança que acabamos encontrando, eram os próprios portugueses. O resto foi fruto e esforço desses portugueses, que de maneira inadvertida ou não, fizeram o possível para dar uma conformação que integrasse as diversas partes desse Império Ultramarino. Como disse Friedrich Engels certa vez, para conhecermos a anatomia do homem, devemos partir do macaco. Assim, o estudo do reino quinhentista, e depois, do Portugal restaurado, podem oferecer as razões e opções dos portugueses no trato com os viventes dos diversos quadrantes do seu Império. obrigado pelo interesse.
ExcluirEstamos chegando ao fim desse Simpósio. Eu a Keren, gostaríamos de agradecer as manifestações de interesse pelo nosso trabalho, às quais tentamos responder, até o limite das nossas possibilidades. Trata-se de um estudo ainda em andamento, imerso em um projeto cujo foco maior são os novos temas, abordagens e linguagens para o ensino de História do Brasil.
ResponderExcluirAproveitamos ainda para congratular os integrantes do LAPHIS da Unespar, pela feliz iniciativa, que já se encontra palmilhado pelo sucesso em seu 3º certame. Esperamos que no ano de 2020 ela seja novamente levada a efeito, e estamos prontos a colaborar, naquilo que for preciso. Abraço a todos!
Olá, Valéria. Obrigado pela pergunta. Segue a resposta. Olá, Valéria, tudo bem? A Keren também responderá, oportunamente. De certa forma, podemos dizer que sim. O reino quinhentista que acabou formando o grande império ultramarino ao longo do 'século das descobertas', o fez sob ares de cruzada. Conquistar terras e submeter povos era também agregar almas para a Cristandade. A expulsão dos muçulmanos da península ibérica e a entrada em massa dos judeus em Portugal (que haviam sido expulsos ao final do sec XV da Espanha) fortaleceu um sentimento religioso já bastante arraigado na Europa. Portugal e Espanha (lembre que nesse último reino haviam os 'reis católicos') tornaram-se no ultramar, os leais depositários da vontade do Papa. Aliás, isso contribui para explicar, juntamente com a atuação livre e sem peias do Tribunal do Santo Ofício, o protestantismo não ter conseguido sucesso na Península. E como você falou, pele escura e religião não cristã. Condição antitética à economia do Dom, praticada pela corte portuguesa. Honras em mercês para quem passasse ao serviço das Índias, mas para passar, havia toda uma provação, junto ao Santo Ofício. Um círculo vicioso, como vemos, e nem o Marquês de Pombal conseguiu reverter esse quadro.
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