INDÚSTRIA E EDUCAÇÃO: UM BREVE HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO DA COREIA DO
SUL
Alexandre Black
Após a Segunda Guerra Mundial a península da Coreia foi dividida no
Paralelo 38 pelas duas superpotências que emergiram do conflito: EUA, que
controlavam a porção sul da península, e a URSS, que controlava o lado norte.
Rapidamente o governo de ocupação norte-americano iniciou um plano parcial de
reestruturação agrária e do Estado na Coreia do Sul tendo em vista derrotar os
movimentos revolucionários que, há tempos, estavam presentes em toda península.
Em 1950, no entanto, estoura a Guerra da Coreia, com a invasão do sul por
forças do norte. Ainda antes do conflito o sul vinha desenvolvendo várias
políticas de cunho desenvolvimentista, após o cessar-fogo, em 1953, essas
políticas são incrementadas e terminariam por tornar a Coreia do Sul um dos
maiores sucessos econômicos das últimas décadas.
Desta forma a Coreia do Sul tornou-se um caso de sucesso entre a periferia
do capitalismo ao unir reformas estruturais e um Estado desenvolvimentista com
ampla participação na economia e foco na indústria de transformação. Fomentando
o desenvolvimento econômico através de investimentos em educação, ciência e
tecnologia – C&T, subsídios e favorecimento aos conglomerados (conhecidos
como chaebols) esse pequeno país asiático conseguiu superar o
subdesenvolvimento econômico e transforma-se num dos protagonistas das cadeias
de valor internacional, de fato, em 2017 o país foi o quinto maior exportador
do mundo (OEC) e, também, o quinto maior produtor industrial (LEVINSON, 2018,
p. 2), sendo proeminente sobretudo na área de eletrônica, mas também na
indústria automobilística, maquinário industrial e química.
Modernização da Agricultura e Indústria Como Motores Iniciais do
Desenvolvimento
Após a Guerra da Coreia – 1950/53 – A Coreia do Sul implementou um
conjunto de políticas para fomentar o desenvolvimento da indústria, vale
salientar que a ajuda fornecida pelos EUA foi de grande importância para a
recuperação do pós-guerra, de fato entre 1953 e 1960 ela representou uma média
anual de 16% do PIB sul-coreano em alimentos, insumos agrícolas e industriais,
maquinário no crescimento da produção industrial. Também a modernização do
setor agrícola foi de grande importância para o desenvolvimento do setor
secundário, a reforma agrária teve em vista quatro objetivos: i) aumentar o
poder do Estado ao eliminar a classe de latifundiários; ii) reduzir o apelo do
socialismo presente no norte, iii) estabelecer mecanismo de transferência de
renda da agricultura para a indústria e iv) modernizar o setor agrícola. A
concentração do poder no Estado permitiu que esse desenvolvesse, com grau
elevado de autonomia, ao menos nas décadas de 1950 e 1960, políticas
desenvolvimentistas mesmo em um ambiente inicialmente não muito propício,
enquanto a modernização da agricultura foi de grande importância para o
desenvolvimento do país,
“Não raro as interpretações do mainstream e o
senso comum explicam o sucesso da economia sul-coreana prestando muito mais
atenção às fases mais sofisticadas da industrialização e subsequentes a reforma
agrária (indústria naval, pesada, petroquímica, eletrônicos, etc.) e creditando
a fatores duvidosos como “educação” e “livre mercado” os louros do
desenvolvimento econômico. No entanto, é inexistente um país que tenha
alcançado o desenvolvimento sem antes modernizar e criar uma agricultura
capitalista de alta produtividade, a qual pudesse gerar excedentes a serem
investidos na indústria. Quase todos os países ricos e com alto desenvolvimento
humano (excluem-se aqui alguns paraísos fiscais, petromonarquias e
cidades-estado) organizaram sua agricultura de modo a aumentar sua
produtividade e a proporcionar um desenvolvimento sinérgico e equilibrado com o
setor industrial”. (Baldasso, 2016, p. 9).
A modernização do setor agrícola permitiu controlar o êxodo rural, desta
forma o Estado pode regular o aumento da quantidade de mão de obra industrial
de acordo com as necessidades de demanda por trabalhadores da indústria
emergente e, fundamentalmente, o governo pode impor ao campesinato uma forte
política de inversão de renda do setor agrícola para o urbano. De fato, com a
reforma agrária, o Estado praticamente passou a ter o monopólio para comprar a produção
agrícola, e estipulava preços abaixo dos valores de marcado, revendendo por
valores baixos nas cidades, permitindo que os salários na indústria se
mantivessem deprimidos, aumentando os lucros desse setor e, portanto, a
capacidade de investimento da indústria. Logo, segundo Toussaint (2017),
“O Estado interveio de maneira ativa e repressiva. A renda que os
camponeses pagavam aos grandes proprietários foi substituída por taxas e
impostos a serem pagos ao Estado. De fato, o Estado apropria-se do excedente
que anteriormente ficava na posse dos proprietários fundiários. O Estado impõe
que os camponeses obtenham um determinado volume de produção em relação a
certos produtos. Essa quantidade deve ser fornecida aos organismos estatais a
um preço fixado pelas autoridades. O preço é muito baixo, sendo com frequência
inferior ao custo de produção”.
Em decorrência dessa política o padrão de vida nas regiões agrícolas não
melhoram tanto quanto seria esperado pois o Estado confisca parte da renda
auferida por esse setor, com o tempo, no entanto, o êxodo rural e o crescimento
da produtividade do solo tenderá a aumentar a renda per capita deste
importante setor, além disso a reforma agrária permitiu um maior controle sobre
a imigração do campo para as cidades, evitando, ou ao menos diminuindo, a
formação de bolsões de miséria e pobreza na periferia dos grandes centros, o
que, no longo prazo, favoreceu os trabalhadores em sua luta por melhores
salários, pois não havia, ou era limitado, o “exercito industrial de reserva”
pressionando para baixo os salários.
A restruturação do setor agrícola facilitou que o Estado sofresse
reformas que o tornaram mais tecnocrático e capaz de gerir um modelo de
desenvolvimento baseado na tática “learning by doing”, seguindo a tática de aumento
da complexidade dos bens produzidos na medida em que a economia crescia,
“De este modo el cambio estructural se asocia a dos tipos de eficiencia
que pueden ser consideradas “dinámicas”, es decir, que conjugan trayectorias de
más rápido crecimiento de la productividad, la producción y el empleo en el
tiempo. La primera es la llamada “eficiencia schumpeteriana”, donde destaca la
presencia de sectores con tasas más altas de crecimiento de la productividad,
con mayor difusión de conocimientos y capacidades hacia el conjunto de la
economía y la sociedad, y que lideran el proceso de innovación, impulsando los
aumentos de productividad, tanto en su propio sector como hacia otros sectores.
La segunda es la “eficiencia keynesiana” o “de crecimiento”, que refiere a un
patrón de especialización en sectores beneficiados por tasas más altas de
crecimiento de la demanda externa e interna, con efectos positivos sobre la
producción y el empleo”. (CEPAL, 2012, p, 17).
Logo, caminhando constantemente para ramos mais intensivos em capital e
tecnologia a Coreia do Sul não apenas conseguiu manter altas taxas de
crescimento econômico por um período muito longo, mais de cinquenta anos –
apesar dos percalços como a crise da dívida de 1982 e a crise asiática de 1998
–, como conseguiu fazer o “cambio estructural” da indústria até tornar-se,
recentemente, um país de intensa produção tecnológica.
O caminho percorrido pela Coreia inicia-se nos anos 50 do século passado
com a implementação da indústria leve, como a têxtil. Nesse primeiro momento
não houve o conhecido esforço exportador, estabeleceu-se a substituição de
importações. A década de 1960 manteve-se a substituição de importações ao mesmo
tempo que políticas implementadas pelo Estado propiciaram o desenvolvimento de
esforço exportador, de uma forma um tanto incipiente inicialmente mas
condizentes com a capacidade industrial do país naquele momento. O grande
aumento das exportações nessa década – aumentou de cerca de 50 milhões de
dólares em 1962 para cerca de 800 milhões em 1970 – permitiram o aumento das
exportações que se concentravam em alimentos, insumos para a indústria e os
maquinários necessários para a ampliação da produção industrial. A década de
1970 foi a da implementação da indústria pesada – siderurgia, automobilística e
química – que seria responsável pela continuidade do avanço das exportações na
década de 1980, esta última veria um forte incremento do setor de eletrônicos e
computação que continuaram crescendo nas últimas três décadas e hoje respondem
por mais de 30% do valor da transformação industrial.
Educação e Ciência & Tecnologia Como Estratégias de Desenvolvimento
É provável que as políticas de crescimento baseadas na indústria e, a
partir da década de 1980, também na inovação não tivessem surtido tanto efeito
se a Coreia do Sul não tivesse desenvolvido uma estratégia de intensa melhora
do padrão educacional da população, toda ela, e não apenas grupos
privilegiados. Segundo Massiero,
“O papel da educação no crescimento econômico tem sido objeto de atenção
na literatura. Há um relativo consenso de que a educação contribui para o
crescimento de diversas formas. Uma delas é através da melhoria da qualidade da
força de trabalho que, mais capacitada, estará mais apta para absorver,
reproduzir e desenvolver tecnologias, tornando-se, portanto, mais produtivo. E
o aumento da produtividade marginal do trabalho traz, como resultado, o
crescimento da renda da firma e, em termos agregados, o crescimento da economia”.
Partindo desse ponto de vista, que a educação contribui de forma
acentuada para o desenvolvimento econômico, o governo sul-coreano implementou,
já na década de 1950, um vasto programa educacional tanto mais necessário
porque no ano de 1945 cerca de 80% da população era analfabeta e apenas 2% com
mais de 14 anos tinha o ensino médio, além disso não mais que 11% da população
em idade universitária estava fazendo graduação em 1970, índice que em 1994 já
superava os 70%, para tanto o investimento em educação passou de 2,5% do
orçamento em 1951 para 23% em 1995 (MASSIERO, 2002). Os gastos privados, de
empresas e famílias, também são elevados,
“Vários outros países também apresentam rápido crescimento dos números
relativos a educação formal. O que tem diferenciado a Coréia do Sul dos demais
é a prévia expansão da educação de maneira a suportar as exigências das
diferentes etapas de desenvolvimento do país. Muitas empresas possuem suas
próprias escolas e desde 1974 o governo tornou compulsório o treinamento dos trabalhadores
nas empresas de mais de 300 empregados, e com mais de 150 desde 1992, o que
levou a constituição de vários centros de treinamento em todo o país. Além
deles tem sido crescente as matrículas nos cursos técnicos de 2 a 3 anos de
duração. A expansão desses programas ao longo das últimas duas décadas reflete
o esforço de capacitação técnica em resposta ao aumento da complexidade
industrial e crescentes demandas das empresas”. (MASIERO, 2002, p. 206).
A partir,
sobretudo, da década de 1970 o investimento no ensino técnico e no superior foi
intensificado tornou a Coreia uma das nações com maior densidade de engenheiros
e técnicos do mundo. Desta forma pode-se manter o desenvolvimento industrial,
principalmente nos últimos anos, quando a país se estabeleceu em áreas
tecnológicas que demandam alto conhecimento. Tendo em vista manter o processo
de graduação tecnológica a Coreia do Sul investe pesado em C&T. Segundo
BARROS (2002, p.63-64),
“O conceito de
C&T adotado nos anos 60 e 70 pelos coreanos é praticamente limitado a
capacidade de apreender, absorver, transmitir e usar tecnologia importada. A
força do processo de C&T tinha o foco centrado na educação e o esforço não
era gerar conhecimento mais criar condições de realizar o que os especialistas
coreanos chamaram de “learning by doing”. Essa postura mudou e a nova fase
inaugurada em 1986 foca a qualidade da ciência gerada no país, por que objetiva
estabelecer uma nova condição expressa na fórmula “learning by research”.
Através da fórmula “learning by research” a Coreia, hoje, se destaca no
cenário internacional como produtora de bens com alto conteúdo tecnológico e
sendo que provavelmente nenhum outro país do mundo subordinou tanto sua
política tecnológica ao desenvolvimento industrial como a Coreia do Sul, que
concentra os investimentos em C&T em pesquisa aplicada com pouca
participação de pesquisa básica, o que, no futuro, poderia condicionar o
desenvolvimento do país. Segundo KIM (2000, p.11) poucos países de
industrialização tardia fizeram a transição do “learning by doing” para o
“learning by research”, a Coreia do Sul foi um deles. Foi neste momento, que se
iniciou na segunda metade dos anos de 1980, que os investimentos em educação e
C&T começaram a se conectar de uma maneira mais sólida, pois é nesse
momento que a quantidade de pessoas com pós-graduação aumenta de forma
considerável, contribuindo para que os sistemas privados e estatais de
desenvolvimento tecnológico tivessem acesso a pessoas qualificadas e, portanto,
capazes de desenvolver processos e produtos de alta tecnologia. É claro que o
país não se tornou um grande produtor de bens de alta tecnologia da noite para
o dia, no entanto, já na segunda metade da década de 1980 a Coreia começou a
produzir seu primeiro processador de computador, e trinta anos depois,
tornou-se um dos países mais importantes da cadeia internacional de valor
relativa à indústria de eletrônica e informática.
Conclusão
Sendo um pequeno país com poucos recursos naturais e encravado, durante
décadas, no meio da Guerra Fria, a Coreia do Sul foi obrigada pelas
circunstâncias a percorrer um caminho diferente do percorrido por tantos outros
países da periferia do capitalismo numa era marcada pelo confronto entre as
superpotências: EUA e URSS. Com apoio e proteção da primeira traçou uma rota
desenvolvimentista com forte atuação do Estado na formulação e execução de
planos de desenvolvimento e focado no constante aumento da complexidade da
economia nacional, progressivamente modificando a forma de inserção no mercado
internacional, inicialmente como fornecedora de bens de baixo valor agregado e
atualmente como um dos países mais importantes a integrar as cadeias de valor
internacional. Para tanto foram realizadas mudanças estruturais ao longo das
décadas de 1950 e 1960, que possibilitaram a modernização da agricultura, o
estabelecimento do Estado tecnocrático e a implementação do esforço exportador.
Além disso o forte investimento em educação possibilitou a continuidade do
desenvolvimento e a transformação do país numa economia industrial onde o
conhecimento tem grande importância.
Referências
Alexandre
Black de Albuquerque é Mestre em história pela
Universidade Federal de Pernambuco
BALDASSO, Tiago Oliveira: Reforma Agrária, Modernização da
Agricultura e Industrialização na Coreia do Sul. TCC, Faculdade de Ciências
Econômicas, UFRGS, Porto Alegre, 2016.
BARROS, Hélio G.. Política científica
na Coréia: evolução da máxima tecnologia contida na educação à máxima ciência
contida no conhecimento. In: GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. (Org.).
CEPAL.
Cambio Estructural Para la Igualdad: una visión integrada del desarrollo.
Comisión Económica Para América Latina y Caribe. 2012.
LEVINSON, Marc. Congressional Research Service. Section Research Manager. February 21, 2018.
MASIERO, Gilmar. A economia coreana:
características estruturais. In: GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. (Org.). Coréia:
visões brasileiras. Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Fundação
Alexandre de Gusmão, 2002. p. 199-252.
MILTONS, Michelle Merética & MICHELON Ednaldo. Educação e Crescimento Econômico na
Coréia Do Sul, S/D.
OEC. The Observatory of Economic Complexity. Em <https://oec.world/en/> acesso em 27 de junho de 2019.
TOUSSAINT, Eric. O Mito da Coréia do Sul:
não, ela não se desenvolveu com livre mercado em <https://voyager1.net/economia/o-mito-sul-coreano/#nb12> acesso em 21 de agosto de 2018.
KIM, Linsu. The Dynamics of Technological Learning in Industrialisation.
In: Internacional Social Sciense Journal.
Holanda. Disponível em <http://www.intech.unu.edu/publications/discussion-papers/2000-7.pdf> acesso em 20/01/2015.
Com o impulso do governo sul coreano para que os jovens prosseguissem com os estudos, algumas medidas foram tomadas. Contudo, nota-se um efeito colateral gerado pelo mesmo, como altos índices de depressão, suicídio entre outros problemas relacionados, em estudantes de nível médio e superior que não conseguem atingir as metas esperadas pelas grandes empresas. É possível que isso, a longo prazo, afete o desenvolvimento da Coreia do sul, gerando uma crise?
ResponderExcluirCrislli Vieira Alves Bezerra
Alexandre Black
ExcluirOlá Crislli Vieira, apesar de sua pergunta fugir do escopo do meu artigo, pois o marco temporal dele é a Coreia do Sul na década de 1950 e 60, sua pergunta é bastante interessante e pertinente, inclusive porque o índice de suicídios nesse país subiu fortemente, passando, segundo a Organização Mundial da Saúde, de uma taxa de 13,8 suicídios por 100 mil habitantes no ano de 2000 para 29,6 em 2016, portanto a taxa mais que dobrou em apenas 16 anos. No entanto há vários motivos para esse aumento, segundo PARK & LESTER (crisis, 2006, v. 27), há uma forte correlação entre divórcios e suicídios e, segundo Kothari & Garg (international Journal of Advance Research and Development, vol 3), a contribuição da população idosa supera as dos mais jovens (14-25 anos) no índice de suicídio, mesmo levando-se em conta que o país detém a maior taxa de suicídio para a população entre 10 – 19 anos do mundo (idem). Do ponto de vista econômico é relativamente fácil determinar as perdas anuais em decorrência da alta taxa de suicídio (são estimadas em seis bilhões de dólares pelo sistema de saúde local), no entanto fazer uma correlação positiva entre suicídios e crise econômica num futuro previsível não nos parece viável, a não ser que essas taxas fossem tão altas que levassem a diminuição da população economicamente ativa, o que não é o caso do país asiático.
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ResponderExcluirÉ salutar a temática abordada, sobretudo, no que tange à influência do capitalismo na sociedade sul-coreana, principalmente, na mentalidade( viés ideológico). É claro, sem desconsiderar os prós e os contras da realidade à época. Sendo assim, gostaria de saber sobre à questão do desemprego no país e sua relação com a política desenvolvimentista vigente, conforme o contexto econômico na década de 50?
ResponderExcluirDesde já, parabenizo-o pela escrita e recorte espacial-temporal.
Maykon Albuquerque Lacerda
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ExcluirAlexandre Black
ExcluirOlá Maykon Albuquerque, obrigado por participar do debate. Consideramos que a questão do desemprego não teve uma influência tão direta na política de desenvolvimento sul coreano na década de 1950, foi a soma de vários fatores, claramente influenciados pela Guerra Fria e a “ameaça comunista”, que determinaram a opção pelo desenvolvimentismo. É claro que ao fim da Guerra da Coreia (1950 – 1953), quando o país teve parte considerável da infraestrutura destruída, o desemprego urbano era elevado (ao redor de 25%), no entanto a maior parte da população estava nas zonas rurais onde a reforma agrária tinha sido implementada, e completada, antes do fim da Guerra da Coreia. Além disso a repressão política intensa manteve o movimento sindical sob controle até os protestos populares que resultaram na “revolução de abril” que pôs fim a chamada primeira república.
Excelente texto. Sabe-se que durante esse período, a Coreia do Sul passava por uma ditadura bastante forte, com presidentes militares e uma forte repressão de movimentos considerados subversivos e que pudessem incitar ideias revolucionárias de cunho comunista, tendo em vista que o país vizinho era uma forte ameaça em vários sentidos, sem contar em todo o contexto da Guerra Fria. Minha pergunta, no entanto, é saber se seria possível abordar a ditadura sul coreana e a ditadura brasileira em um comparativo? Apesar de serem países com históricos bem diferentes, as ditaduras possuíam suas semelhanças, com militares no poder e apoio norte americano.
ResponderExcluirAlessandro Henrique da Silva
Olá Alessandro Henrique, obrigado pelo elogio. A década de 1950 foi marcada por uma certa fachada democrática com o governo civil de Syngman Rhee. O alto grau de corrupção, repressão e a demora para as reformas econômicas darem resultados expressivos levou, em 1960, ao movimento conhecido como revolução de abril que pôs fim ao governo Rhee, depois de cerca de um ano de instabilidade o general Park Chung-hee liderou um golpe de estado em 16 de maio de 1961 tornando-se o líder do país até seu assassinato em 1979, é interessante notar que ele promoveu algumas eleições de fachada, exatamente como a ditadura brasileira, mas em 1972 instituiu a lei marcial. Logo Alessandro, sua pergunta é pertinente, está claro que se pode fazer uma história comparada da ditadura brasileira e sul coreana, ainda mais que atualmente a história comparada permite comparar quase tudo, desde que, é claro, não se caia em anacronismos. No caso do Brasil e da Coreia do Sul de início temos dois Estados desenvolvimentistas, mas com fortes diferenças quanto à forma de atuação. O apoio norte-americano diferiu no grau da ajuda econômica, que foi baixa no Brasil e muito alta na Coreia do sul, sobretudo nos anos de 1950, além disso, do ponto de vista econômico foi exatamente durante a ditadura Park que o país adotou a estratégia exportadora e de inovação tecnológica, que terminaria por fazer com que a trajetória entre os dois países se tornassem divergentes a partir da segunda metade da década de 1970.
ExcluirAlexandre, parabéns pelo estudo!
ResponderExcluirEnquanto lia atentamente o seu texto, pensava no Brasil, evidentemente, guardando as devidas proporções. Isto posto, não sei se devia pergunta, mas correrei o risco de não ser muito inteligente: tem a Coreia do Sul alguma coisa a ensinar ao Brasil?
Abraço!
Antonio José de Souza
Olá Toni, a Coreia tem muito a ensinar ao Brasil, primeiro como a melhora da distribuição de renda tem impactos positivos no ambiente institucional, segundo os benefícios econômicos e sociais de médio e longo prazos da melhoria do nível educacional da população e de investimentos em ciência e tecnologia.
ExcluirAlexandre Black
Alexandre, parabéns pelo texto, está muito bem embasado e escrito de maneira muito clara.
ResponderExcluirMeu questionamento seria, o quão primordial você enxerga a ajuda que os Estados Unidos prestaram a Coréia do Sul afim que essa pode desenvolver-se, numa economia que foi complexando-se cada vez mais ao longo do tempo?
Henrique Stoffel
Henrique Stoffel e Pedro Antonio Saraiva de Carvalho Pereira Francez a resposta é a seguinte: a ajuda norte-americana foi, sem dúvida, muito importante. A Guerra da Coreia (1950 – 1953) destruiu parte significativa da infraestrutura da Coreia do Sul, o país perdeu metade da capacidade industrial e quase toda capacidade de geração de eletricidade. A ajuda dos EUA ficou ao redor de 16% do PIB coreano para o período 1953-60 e 4,7% do PIB para o período 1961-70, e quase toda essa ajuda foi a fundo perdido, logo nem endividou o país, nem desnacionalizou sua economia. Além disso, houve ajuda técnica e compras de bens e serviços durante a guerra do Vietnã, e está claro que essa ajuda apenas existiu por causa da guerra fria e a “Teoria do Dominó” que foi adotada pela política externa dos EUA naquela época – entre as décadas de 1950 e 1980 – e afirmava que se um país de uma região caísse sobre influência do socialismo outros na região também poderiam tornassem socialistas, num efeito parecido com peças de dominó derrubando umas as outras. O acesso a esses recursos mantiveram a economia coreana funcionando durante o período de reconstrução, que se encerra por volta de 1960, e ainda permitiu investir na ampliação da capacidade produtiva, o que seguramente seria inviável apenas com recursos próprios dado que a formação de poupança interna ainda era muito baixa. Essa ajuda continua pela década de 1960 e como o auxílio era, em parte, a fundo perdido, como já dissemos acima, esses investimentos tornavam-se propriedades do Estado e/ou do setor privado coreano, evitando a desnacionalização da economia e mantendo as decisões de ordem econômicas dentro do país e não sob controle de empresas dos países centrais, o que, no longo prazo, seria importante para o desenvolvimento da Coreia do Sul, que pode articular políticas desenvolvimentistas em consonância com suas empresas, públicas e privadas, que, a rigor, dominavam todas as áreas de investimento, inclusive as mais dinâmicas, permitindo, assim, o reposicionamento do país como plataforma exportadora.
ExcluirAlexandre Black
Olá Alexandre, parabéns pelo texto, algo realmente digno de reflexão. Confesso que, lendo o seu texto, fazia mentalmente um comparativo com relação ao outro lado do Paralelo 38. Os fatos recentes de uma "aproximação" entre as Coreias, apesar de não representar uma aliança ou uma possível unificação, mas pode simbolizar algo mediante ao que expões no texto?
ResponderExcluirGrato!
Jefferson Fernandes de Aquino
Bom dia, gostei muito do texto. Minha pergunta é a seguinte: De fato, os padrões escolares e as notas educacionais coreanas são excelentes, mas esse sistema já não mostra algum sinal de desgaste ou esgotamento por privilegiar muito a competição de desempenho em detrimento do bem-estar dos alunos?
ResponderExcluirHeloisa Carolina H. de Oliveira.
Boa tarde!
ResponderExcluirA Coreia do Sul quando saiu do domínio japonês (1945) foi dividida pela bipolaridade da Guerra Fria. O Norte ficou sob influências soviéticas e o sul, sob a americana. Nessa divisão, o norte ficou com a maioria das fábricas, que lá se localizavam, fazendo com que a Coreia do Sul fizesse uma industrialização tardia, em relação com o mundo, ainda mais com o advento da Guerra da Coreia.
Nesse panorama, não podemos dizer que, também apesar da forte intervenção estatal, protecionismo e etc, principalmente no Governo Park, a boa relação com o ocidente e o contexto de Guerra Fria alavancaram o mercado do país para se tornar uma superpotência?
Abraços!
Pedro Antonio Saraiva de Carvalho Pereira Francez
Henrique Stoffel e Pedro Antonio Saraiva de Carvalho Pereira Francez a resposta é a seguinte: a ajuda norte-americana foi, sem dúvida, muito importante. A Guerra da Coreia (1950 – 1953) destruiu parte significativa da infraestrutura da Coreia do Sul, o país perdeu metade da capacidade industrial e quase toda capacidade de geração de eletricidade. A ajuda dos EUA ficou ao redor de 16% do PIB coreano para o período 1953-60 e 4,7% do PIB para o período 1961-70, e quase toda essa ajuda foi a fundo perdido, logo nem endividou o país, nem desnacionalizou sua economia. Além disso, houve ajuda técnica e compras de bens e serviços durante a guerra do Vietnã, e está claro que essa ajuda apenas existiu por causa da guerra fria e a “Teoria do Dominó” que foi adotada pela política externa dos EUA naquela época – entre as décadas de 1950 e 1980 – e afirmava que se um país de uma região caísse sobre influência do socialismo outros na região também poderiam tornassem socialistas, num efeito parecido com peças de dominó derrubando umas as outras. O acesso a esses recursos mantiveram a economia coreana funcionando durante o período de reconstrução, que se encerra por volta de 1960, e ainda permitiu investir na ampliação da capacidade produtiva, o que seguramente seria inviável apenas com recursos próprios dado que a formação de poupança interna ainda era muito baixa. Essa ajuda continua pela década de 1960 e como o auxílio era, em parte, a fundo perdido, como já dissemos acima, esses investimentos tornavam-se propriedades do Estado e/ou do setor privado coreano, evitando a desnacionalização da economia e mantendo as decisões de ordem econômicas dentro do país e não sob controle de empresas dos países centrais, o que, no longo prazo, seria importante para o desenvolvimento da Coreia do Sul, que pode articular políticas desenvolvimentistas em consonância com suas empresas, públicas e privadas, que, a rigor, dominavam todas as áreas de investimento, inclusive as mais dinâmicas, permitindo, assim, o reposicionamento do país como plataforma exportadora.
ExcluirAlexandre Black
Olá Gabriel Braga de Souza. Parte da experiência sul coreana provavelmente não é mais reproduzível, sobre tudo a relativa ao protecionismo econômico pois fere as regras da Organização Mundial do Comércio – OMC. Áreas intensivas em tecnologia também exigem maiores escalas de produção do que há trinta, quarenta ou cinquenta anos, tornando bem mais difícil a graduação tecnológica, em suma, as chamadas barreiras de entrada são mais “pesadas” atualmente. Estabelecer um modelo exportador também está bem mais difícil, pois a concorrência hoje é muito maior, basicamente seria com todo o sudeste asiático, sendo que alguns países daquela região levaram o nível de exploração da mão de obra a um patamar não desejável de ser igualado e que impõe ainda maiores dificuldades na competição internacional. Por outro lado avanços em educação, ciência e tecnologia, e o estabelecimento de um Estado tecnocrático não são metas fora do alcance e, seguramente, contribuem para um maior desenvolvimento econômico e social.
ResponderExcluirAlexandre Black
Olá, professor Black. Excelente texto, este que me "abriu a mente" sobre os avanços da Coréia do Sul, país pelo qual achava que se crescimento se deu recentemente, sendo que temos um logo período de mudanças. Minha questão é: Se fosse a URSS que estivesse dando o auxilio no lugar dos EUA, a Coréia conseguiria percorrer esse caminho? e essas politicas internas (feitas naquela época) serviriam de modelo para países (como o Brasil) no atual contexto.
ResponderExcluiratenciosamente, Matheus Velho
Olá Matheus Velho, neste caso podemos comparar objetivamente pois existe a Coreia do Norte, que teve vasta ajuda da União Soviética até os anos de 1980, e a situação atual dos dois países são díspares, no entanto a ajuda dos EUA apenas ocorreu em consequência da Guerra Fria. Hoje, como não há mais a Guerra Fria, essa ajuda não aconteceria. Continuo a resposta abaixo:
ExcluirMatheus Velho, vem a resposta que dei para Gabriel Braga de Souza. Parte da experiência sul coreana provavelmente não é mais reproduzível, sobre tudo a relativa ao protecionismo econômico pois fere as regras da Organização Mundia do Comércio – OMC. Áreas intensivas em tecnologia também exigem maiores escalas de produção do que há trinta, quarenta ou cinquenta anos, tornando bem mais difícil a graduação tecnológica, em suma, as chamadas barreiras de entrada são mais “pesadas” atualmente. Estabelecer um modelo exportador também está bem mais difícil pois a concorrência hoje é muito maior, basicamente seria com todo o sudeste asiático, sendo que alguns países daquela região levaram o nível de exploração da mão de obra a um patamar não desejável de ser igualado e que impõe ainda maiores dificuldades na competição internacional. Por outro lado avanços em educação, ciência e tecnologia, e o estabelecimento de um Estado tecnocrático não são metas fora do alcance e, seguramente, contribuem para um maior desenvolvimento econômico e social.
Alexandre Black
Grato pelas informações professor Black!
ExcluirE parabéns por sua pesquisa
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ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirParabéns pelo texto, está bastante didático!
Fica evidente que a Coreia do Sul passou por grandes investimentos educacionais com focos diferentes. Depois de muitos anos investindo em ensinos técnicos e formando engenheiros para trabalharem como mão de obra, passaram a investir na criação de tecnologia. Se pensarmos dentro da conjuntura, todo o investimento em educação e toda a produção que da destaque para o país é voltado para servir o mercado capitalista mundial. Não que isso seja um problema. Porém, como entra a formação humana nos projetos educacionais da Coreia do Sul?
Fazendo um paralelo com o Brasil, considerando as devidas diferenças, o MEC anunciou recentemente o programa "future-se" que é voltado também para o lado técnico e de inovação tecnologia do ensino com incentivos a criação de startups. Você acredita que podemos alcançar um nível de produção tecnologia como o da Coreia do Sul? E como você imagina que as ciências humanas possam ocupar esse cenário de desenvolvimento tecnológico, uma vez que, a reflexão, a filosofia, o conhecimento humano aparentemente - pra muita gente - não dá retorno imediato?
Ass.
Bryan Douglas Martins de Miranda
Olá Bryan, há muitas críticas em relação à formação humana no sistema educacional da Coreia do Sul, muito voltado ao aprendizado para o mercado, e o impacto negativo que isso teria em relação a criatividade, sobretudo no século XXI quando o país entrou em ramos de tecnologia de fronteira.
ExcluirNão acredito que o Brasil consiga alcançar o nível de produção tecnológica da Coreia do Sul pois isso requer aumento substancial dos investimentos em ciência e tecnologia, e eles estão caindo nos últimos anos, um ambiente institucional propício (relativamente tecnocrático em todas as esferas do Estado), disciplina educacional, empresas interessadas em inovação, etc. Esses são fatores razoavelmente distantes da realidade brasileira.
As ciências humanas assumem papel relevante ao fomentar o espírito crítico e o conflito, pois é da crítica e do contraditório que surge novas ideias, e não da planificação mental, pois a ciência tem como base a tentativa diária de demolir os cânones aceitos.
Alexandre Black
Olá,gostaria de saber se a 3 revolução industrial também foi um fator que favorecel o desenvolvimento da Coreia do Sul,Já que após a guerra da Coreia 1950/1953, a Coreia do Sul implementou um conjunto de políticas para formentar o seu desenvolvimento industrial.
ResponderExcluirLarissa da Silva Batista.
Oi Larissa, não creio que a terceira revolução industrial tenha favorecido o desenvolvimento da Coreia do Sul, per se, mas sem dúvida favoreceu ao conjunto dos países avançados, o que terminaria por favorecer a própria Coreia após a década de 1970, ou seja, o que favoreceu o desenvolvimento do país foi à adoção de políticas que permitiram que a terceira revolução industrial criasse raízes no solo coreano.
ExcluirAlexandre Black
Olá,Na sua perspectiva,os Estados Unidos e o Capitalismo foram os pilates para o desenvolvimento da Coreia do Sul após a guerra da Coreia 1950/1953,para serem o que são hoje?
ResponderExcluirLarissa da Silva Batista
Larissa da Silva Batista, vem a resposta que dei para Henrique Stoffel e Pedro Antonio Saraiva de Carvalho Pereira Francez: a ajuda norte-americana foi, sem dúvida, muito importante. A Guerra da Coreia (1950 – 1953) destruiu parte significativa da infraestrutura da Coreia do Sul, o país perdeu metade da capacidade industrial e quase toda capacidade de geração de eletricidade. A ajuda dos EUA ficou ao redor de 16% do PIB coreano para o período 1953-60 e 4,7% do PIB para o período 1961-70, e quase toda essa ajuda foi a fundo perdido, logo nem endividou o país, nem desnacionalizou sua economia. Além disso, houve ajuda técnica e compras de bens e serviços durante a guerra do Vietnã, e está claro que essa ajuda apenas existiu por causa da guerra fria e a “Teoria do Dominó” que foi adotada pela política externa dos EUA naquela época – entre as décadas de 1950 e 1980 – e afirmava que se um país de uma região caísse sobre influência do socialismo outros na região também poderiam tornassem socialistas, num efeito parecido com peças de dominó derrubando umas as outras. O acesso a esses recursos mantiveram a economia coreana funcionando durante o período de reconstrução, que se encerra por volta de 1960, e ainda permitiu investir na ampliação da capacidade produtiva, o que seguramente seria inviável apenas com recursos próprios dado que a formação de poupança interna ainda era muito baixa. Essa ajuda continua pela década de 1960 e como o auxílio era, em parte, a fundo perdido, como já dissemos acima, esses investimentos tornavam-se propriedades do Estado e/ou do setor privado coreano, evitando a desnacionalização da economia e mantendo as decisões de ordem econômicas dentro do país e não sob controle de empresas dos países centrais, o que, no longo prazo, seria importante para o desenvolvimento da Coreia do Sul, que pode articular políticas desenvolvimentistas em consonância com suas empresas, públicas e privadas, que, a rigor, dominavam todas as áreas de investimento, inclusive as mais dinâmicas, permitindo, assim, o reposicionamento do país como plataforma exportadora.
ExcluirAlexandre Black