ERA MEIJI: DA
INDUSTRIALIZAÇÃO À MENTALIDADE PARA ASCENSÃO DO FASCISMO NA TERRA DO SOL
NASCENTE
Jean Carlo Lima de
Moura
Uma das apostas recorrentes, entre pesquisadores e acadêmicos da
historiografia asiática, a origem para a industrialização japonesa
fundamenta-se na filosofia de vida dos povos orientais. Heita Kawakatsu e John
Lathan (1994, p. 4) em “Japanese Industrialization and the Asian Economy”
apresentam as palavras de Morishima, que a herança cultural confucionista, em
comum entre as nações asiáticas, capacitou-lhes à maximização de seu
crescimento e potencial econômico. Confúcio, filósofo chinês do século VI a.C.,
desenvolveu raciocínios filosóficos quanto à ética social, ideologia política,
comportamentos, explora temas como a honestidade e a pureza de coração,
vergonha, juízo, senso de certo e errado, bravura, modéstia, discrição, justiça
e representações de humanidade.
Ainda em Kawakatsu, as preliminares condições para o desenvolvimento
econômico japonês centram-se no período Tokugawa (1603 – 1868), o confucionismo
situava-se como uma ideologia de estado, e tal qual ocorreu ao Calvinismo e a
ética protestante, o período foi influenciado por ideias do filósofo Ishida
Baigan, contudo acredita-se que a ética ao trabalho, a simplicidade, sobriedade
de costumes e hábitos remontam ao século VII. O Japão se protegeu do assédio
das potências europeias, fechou-se ao mercado exterior devido à disputa com
manufaturas ocidentais, após experienciarem o mercantilismo através de
Portugal, agente intermediário entre os produtos chineses, seda e porcelana,
bem como mercadorias europeias, armas, sabão e tabaco, enquanto Portugal levava
produtos e escravos japoneses para Macau e Europa.
A partir de 1630 encerra-se este capítulo de intercâmbio luso-japonês,
devido denúncias de poselitismo cristão, excesso do contrabando de escravos
japoneses, e a preventiva prerrogativa Tokugawa em evitar que a economia
japonesa se tornasse apenas fornecedora primária de produtos minerais e
agrícolas. Conforme palavras de Perrin, em Kawakatsu e Lathan (1994, p. 5), já
no final do século XVI, o Japão dispunha de importantes fábricas de canhões,
imensas jazidas de minério de ferro, ouro, prata e cobre, como também vastas
florestas que lhes abastecia da madeira necessária à indústria naval.
A tradição do confucionismo japonês era ver-se como a terra dos deuses
em meio à barbárie, devendo assim alçar-se à posição de reino central e
hegemônico, em oposição à dominação chinesa. Mesmo durante o isolacionismo,
entre os séculos XVII ao XIX, Nagasaki continuou a receber produtos desde a
China e do exterior, além das mercadorias chinesas tradicionais, o açúcar,
corantes, artigos de algodão, pimenta, café, salitre, drogas, chá, dentre
outros, eram apreciados no mercado japonês e pagos com metais preciosos.
Kawakatsu (1994, p. 6) afirma que ao realizar o cultivo de muitos dos produtos
comercializados, o governo Tokugawa buscava evitar a dependência das
importações de arroz, café e açúcar.
Fig. 1 - Embarcação japonesa selo-vermelho, período Nanban
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A conhecida pressão e ameaça ocidental encabeçada pela esquadra do
comodoro americano Matthew Galbraith Perry, os chamados “Black Ships”, em 1853,
puseram fim ao isolacionismo Tokugawa. Os conflitos na costa chinesa, como
afirma Alistair Swale (2009, p. 24), deram vantagem aos americanos para
aproximação aos japoneses, em detrimento aos britânicos. O extremo-oriente, em
meados do século XIX era um barril de pólvora, a Guerra do Ópio (1839-1842)
trouxe um ambiente de incertezas ao xogunato japonês que evitando ter partes de
seu território absorvidas por potências europeias, investiu maciçamente na
construção de estaleiros navais para o fortalecimento da Marinha Imperial
Japonesa. Este foi um importante passo para a modernização da frota Tokugawa,
da indústria japonesa e da aproximação ao momento desenvolvimentista e
mecanizacional atravessado pelo ocidente.
Fig. 2 - Mapa ferrovias Imperiais 1907
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Conforme delineia Alistair Swale (2009, p. 58), o jogo de poder que
devido à sucessão governamental se instalou no Japão, levando ao golpe de
estado a partir de 1866, quando da morte do xogum Tokugawa Iemochi, aos 21 anos
(governante de facto do Japão), complicou-se ainda mais com a repentina morte
do imperador Komei aos 36 anos, pouco após nomear o novo xogum Hitotsubashi
Yoshinobu. Ao ascender ao trono o novo e ainda infante imperador Mutsuhito, as
facções anti-xogunato seguiram um caminho radical, movendo tropas em Quioto e
Osaka, com o propósito de pressionar o xogum à renúncia, convocando o conselho
nacional dos daimiôs. A elite da corte japonesa pretendia a restauração do
poder imperial, através da política linha dura Sonnō jōi, acabando de vez com o
isolacionismo do Japão. Vários memorandos foram assinados e entregues aos
hesitantes da corte de Quioto, fora feito contato com representantes consulares
estrangeiros convocando-lhes para a proclamação.
O Japão passou por uma revolução dos processos e da divisão do trabalho,
importou maquinários da Inglaterra e especializou-se no beneficiamento e fiação
do algodão e seda, ampliando ganhos e vantagens regionais. Morris Low (2005, p.
135) traz o artigo de David G. Wittner, onde argumenta que a dinastia Meiji (1868-1912),
empreendeu um programa de industrialização denominado shokusan kōgyō,
importando tecnologias industriais do ocidente. Todavia não havia planos
concretos e sustentáveis de desenvolvimento, problemas eram solucionados sob
tentativa e erro, essa falta de visão marcou os primórdios do avanço industrial
e transferência de tecnologia aos japoneses.
Fig. 3 - Paisagem fabril, desenvolvimentismo da era Meiji
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A dinastia Meiji pretendia transformar o Japão numa nação rica,
“civilizada” e industrializada, seguindo os moldes ocidentais. Durante a
célebre Belle Époque europeia, ideais
de nacionalismo, imperialismo, progresso e desenvolvimento alcançaram o Japão e
o governo providenciou a capacitação e formação técnica de seu exército aos
moldes da Alemanha, abandonando o estilo samurai. Wittner, em Morris Low (2005,
p. 140), reconhece que a sede ideológica que inundou o Japão após a década de
1870 relaciona-se às missões diplomáticas e comerciais empreendidas por
emissários japoneses na Europa, altos dignitários foram enviados à Inglaterra e
França para estudarem. Muitos destes jovens faziam parte da burocracia estatal,
eram ex-samurais e atravessaram vários países europeus, Inglaterra, França,
Holanda, Suíça e Itália, visitando fábricas de fiação de seda e tecelagens,
impressionaram-se com os trens a vapor.
Fig. 4 - Estudantes na Europa em 1863 - levaram a economia industrial ao
Japão
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O governo Imperial japonês criou a primeira ferrovia em 1872, na década
de 1880 universidades foram criadas, o banco nacional, uma constituição foi
promulgada e foi criado o gabinete parlamentar. Motoyama Yukihiko (1997, p. 83)
assevera que a restauração Meiji idealizou um sistema educacional baseado no
mérito, onde o treinamento de líderes seria essencial para um estado
centralizado. A então capital imperial Edo passou a chamar-se Tóquio e a
transferência dos poderes de jure e de facto, antes sede do xogunato em Quioto,
conferiu-lhe ser o único centro do poder imperial.
Fig. 5 - Tokaido principal linha férrea, Tóquio 1920
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O imperador ordenou a reconstrução de sua “nova” capital de tijolos, a
antiga Edo, com a maioria de suas edificações em madeira, tinha uma frequência
de incêndios a cada 25/50 anos, desde 1601 a 1868. Estudantes foram incumbidos
a se preparar, traduzir manuais ocidentais de arquitetura e a década de 1880
viu surgir uma eclética tendência arquitetônica de construção em tijolos e
alvenaria.
Fig. 6 – Câmara de comércio e indústria de Kobe, arquitetura eclética
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A universidade imperial, como afirma Morris Low (2005, p. 197), baseou a
educação não apenas a satisfazer uma elite ténica, criou um sistema abrangente
de formação técnica e de assistentes técnicos (gijutsusha ou kōgyōsha):
“Escolas vocacionais, onde quer que surgissem no século XIX e início do
XX, foram um grande ataque ao tradicional sistema de aprendizado – o método
pelo qual a cultura artesã reproduzia-se por gerações no Japão e outros
lugares. Nos Estados Unidos, tentativas sucessivas em implantar sistemas de
ensino profissionalizante no final do século XIX, enfrentaram enorme oposição
dos sindicatos que enxergavam tais instituições como produtoras de
trabalhadores “intercambiáveis” capazes de negociar individualmente entre empresas.
No Japão não havia sindicatos fortes ou abrangentes, todavia provou-se ser uma
difícil tarefa capturar aprendizes longe desses mestres de ofício”. (LOW, 2005,
p. 197)
Motoyama (1997, p. 84) informa que o governo Meiji aboliu o sistema
feudal japonês, implantando prefeituras, pretendendo a centralização do poder
político. Os primeiros anos da restauração imperial foram incapazes de criar um
sistema de ensino unitário e a educação das pessoas comuns foi deixada a cargo
de repartições regionais. A meritocracia empreendida pelo governo japonês para
a educação transferiu poderes dos antigos daimiôs e da nobreza aristocrata para destacados oficiais elevados da
classe samurai. A educação neste período esteve ligada sobretudo às influências
políticas, desenvolveu-se um sistema moderno de ensino, mas que atendia à
formação do poder estatal.
Fig. 7 - Castelo de Osaka, o retrato de um Japão feudal
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“É um ponto de vista aceito que a transição de uma sociedade agrária
para uma moderna industrial, após a Restauração Meiji, foi o resultado do
progresso industrial e comercial que já estava em movimento no Japão
pré-moderno, a indústria do algodão desempenhou um papel pioneiro. O Japão, no
século XVI, ficou muito atrás da China e Coreia na produção de têxteis de
algodão, assim como a Inglaterra ficou atrás de todos os outros países
europeus. Ambos países, embora começando em último lugar nesta corrida, mas em
contextos históricos bastante diferentes, superaram todos os outros
competidores no Ocidente e Extremo Oriente, respectivamente, no século XIX”.
(KAWAKATSU e LATHAN, 1994, p. 88)
Fig. 8 - Fábricas, início da eletrificação
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O Japão do final do século XIX enfrentava a rivalidade da Inglaterra
para o escoamento de sua produção industrial. Tal qual ocorreu nas décadas de
70 e 80 do século XX, onde os países denominados Tigres Asiáticos forneciam
produtos de qualidade inferior a preços mais acessíveis. Kawakatsu e Lathan
(1994, p. 3) trazem o trabalho de Sakae Tsunoyama, onde apresentam um Japão da
era Meiji conhecedor dos meandros do mercado asiático, produzia cópias baratas
dos itensílios domésticos fabricados no ocidente, adaptando-lhes ao bolso do
cidadão comum, em oposição aos caros produtos europeus.
Fig. 9 - Produção de tecido Japão - cerca 1897-1900
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Espelhando-se no ocidente, o Japão posicionou-se no movimento do ideal
imperialista. Contando com uma população doutrinada, formada pela filosofia do
trabalho árduo, disciplina, respeito aos mestres e superiores, a tecnocracia
imperial japonesa buscou conquistar novos territórios e mercados consumidores.
Como salienta Rogério Dezem, pesquisador da Universidade de Osaka em palestra
na USP, “o governo Meiji construiu a identidade japonesa moderna”. Absorveram
rapidamente a tecnologia ocidental, mas com rigor aos hábitos culturais e
tradicionais japoneses. Dezem garante que antes da restauração, o povo não
tinha conhecimento da existência do imperador, esta dinastia elevou a imagem do
soberano como extensão da família, tornando-o assim “a cabeça do povo”,
fomentou-se o ideal de coesão política e militar, homogeneidade racial, valores
morais rígidos, imbricados aos já sedimentados comportamentos, e filosofia de
vida confucionistas tão valorizados no período Tokugawa.
Em seu livro “Japan and the specter of Imperialism”, Mark Anderson
(2009, p. 1-2) apresenta um trecho da novela do século XIX “The Gold Demon”
(1897-1903), onde Kan’ichi, personagem desagradável da trama, promete virar um
demônio em retaliação a sua interesseira ex-noiva que preferia mais o dinheiro
e presentes valiosos do que um relacionamento romântico com ele, uma das
citações é bem enfática, “Ah, isso é o Japão do povo japonês? É este o Japão da
constituição? Ou é o Japão de alguns agiotas (kanekashigyō)?”. O país tornava-se
cada vez mais suscetível aos interesses e demandas capitalistas e o
materialismo nas relações humanas traduzia-se em estilo de vida.
Fig. 10 - Moda ocidental nas ruas de Tóquio, Ginza 1930
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O conservadorismo estatal do período Meiji, como menciona Alistair Swale
(2009, p. 14), construiu estruturas de poder empregando a coerção num modus
operandi para o estabelecimento da submissão do povo aos projetos do Estado,
incorporando “tradições”, assimilando a doutrinação e a repressão abertamente.
Foram os primeiros passos ao surgimento de um Estado fascista na terra do sol
nascente, um mecanismo que não permitia a individualização ou a independência
privada fora dos preceitos de identidade nacional, algo encarado como traição à
pátria.
Após a restauração imperial japonesa, as quatro grandes bases navais de
produção de navios de guerra haviam penetrado na esfera doméstica e privada,
desenvolvendo suprimentos para pontes, para a ferrovia Shimbashi-Yokohama, como
também os trilhos para os bondes de Tóquio. Como relata Steve Sundberg, o
distrito naval de Yokosuka estabelecido em 1884, através do fortalecimento das
siderúrgicas, tornou-se um hub tecnológico iniciando a produção de couraçados,
porta-aviões, bombardeiros, e alguns anos depois, com a construção do Arsenal
Técnico Naval Aéreo de Yokosuka, hidroaviões também foram projetados.
Fig. 11 - Oficina de reparos da siderúrgica Yawata - uso doméstico e
militar
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A propaganda, como afirma Morris Low (2005, p. 14), foi uma política de
Estado e o slogan “país rico com um exército forte”, ilustrou o ufanismo dessa
era. Autoafirmar-se na hegemonia naval e militar asiática representava o
respeito internacional e a participação na corrida imperialista que já havia
sido empreendida pelas potências ocidentais na África e Ásia. Em 1884
realizou-se em Berlim uma conferência para a delimitação das colônias europeias
no continente africano.
Fig. 12 - Wolseley montado no Japão, origem da Isuzu 1918
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A opinião pública internacional da época também reafirmava a nação
nipônica como detentora de superioridade entre as nações asiáticas, o fragmento
abaixo traça a perspectiva de Sir Henry Norman, jornalista britânico, em 1894:
“A Coreia parece um lugar muito pobre para se batalhar. Seu povo está
mergulhado na mais profunda miséria, é o pior de todos do oriente que
encontram-se assolados pela pobreza…O Japão, apesar de todos seus erros,
defende a luz e a civilização; suas instituições são iluminadas; suas leis,
elaboradas pela justiça europeia, são iguais às melhores que conhecemos, e são
administradas com justiça; suas punições são humanas; seus ideais científicos e
sociológicos são os nossos próprios. A China representa a escuridão e a
selvageria. Sua ciência é superstição ridícula, sua lei é bárbara, suas
punições são terríveis, sua política é corrupção, seus ideais são isolamento e
estagnação” (PAINE, 2002, p. 21)
Fig. 13 - Transporte e progresso, locomotiva japonesa início do século
XX
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Esta mentalidade impregnada de estereótipos moldou o pensamento de
superioridade japonesa no extremo oriente. Ao analisar os trabalhos de Haga
Yaichi, estudioso da literatura japonesa e poeta durante a dinastia Meiji, Mark
Anderson (p.
169-172) observa a criação e fortalecimento de uma nova identidade
japonesa. Haga, que em 1900 estudara o método filológico na Alemanha,
reformulou a tradição nacional japonesa de aprendizado. Sua ideologia corrobora
o pensamento de um Japão em totalidade como um corpo uníssono, os traços de
lealdade e patriotismo seriam inerentes ao povo japonês. Este pensador retrata
o Japão como civilizado, adaptativo, espiritualmente autônomo, militarmente
preparado, racialmente tolerante e caridoso, “uma nação de poetas”.
Distinguindo-o das outras sociedades asiáticas, reivindica que o Japão é superior
à China, afirmando que enquanto os japoneses são um dos povos mais limpos da
Terra, os chineses são sujos e foram historicamente canibais. Também deixa
claro que o povo japonês é moralmente superior à Europa, ao passo que sua
revolução social nunca envolveu desafio à autoridade patriarcal ou imperial,
evoca a nação como um país de famílias e não de indivíduos.
Fig. 14 - Iwasaki Koyata (1879–1945), quarto líder da zaibatsu
Mitsubishi, e família.
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Anderson observa que para Haga, o sentido harmônico do povo japonês em
relação à natureza seria uma espécie de ventriloquismo, onde a comunidade
nacional se interliga de cima a baixo, o imperador, a língua, a família e a
terra. O meio social é marcado por figuras caracterizadas pela abnegação e
deferência à autoridade, a identidade é totalizante, suprime-se a singularidade
do indivíduo que é obrigado a aderir fielmente e pacificamente às tradições e
representações do Estado. Tal qual ocorreu com o pensamento de superioridade
ariana que absorveu a Alemanha, propiciando a distorção social, elevando o
nazismo ao poder, a excessiva ideologia ultranacionalista imperial conservadora
da era Meiji, ocasionou a apreensão do fascismo na governamentalidade
japonesa.
A virada do século XIX para o XX constituiu-se em orgulho e sentimento
de hegemonia de um Japão militarizado. Vencia a Primeira Guerra Sino-Japonesa
em 1895, ocupando Taiwan e implantando um governo títere na Coreia até 1910,
quando de sua anexação. Em 1905 impõe derrota ao Império Russo, pelo controle
da Coreia, ilhas Sacalinas e Manchúria. Este período foi a consolidação do que
Haga Yaichi considerou como “entrou para a lista das nações fortes do mundo”.
Além do fator econômico, a colonização destas possessões japonesas na Ásia, tal
qual exemplifica Robert Eskildsen, em seu “Transforming Empire in Japan and
East Asia” (2019, p. 298), o Japão também desejava levar a “civilização” e o
“iluminismo” aos “bárbaros da Ásia”.
Fig. 15 - Representação do couraçado Mikasa - batalha de Tsushima
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A aristocracia gradualmente mais forte, estabelecendo-se industrialmente
através de suas zaibatsus, seguindo os preceitos do imperialismo totalizante,
produzia os esforços de guerra, aviões, navios, armamentos, locomotivas,
veículos pesados. Mitsubishi, Kawasaki, Sumitomo, Yasuda e Mitsui, grandes
conglomerados da indústria pesada, controlavam grande parte do mercado e da
produção industrial japonesa, mineração, indústria química, siderúrgicas,
equipamentos e maquinária, além da frota mercante de comércio internacional.
Fig. 16 - Biplano monomotor Mitsubishi 2MR, tipo 10 - navios de guerra
no horizonte
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O impacto da política expansionista foi sentido do outro lado do mar
Amarelo. Após vitória na Guerra Russo-japonesa em 1905, o território arrendado
Kwantung foi ocupado, décadas depois o Japão fundava o Estado fantoche
Manchukuo. Semelhante ao ocorrido na Alemanha nazista, em Kwantung havia
fábricas da morte, criminosos, bandidos, partidários anti-japoneses, presos
políticos, bem como bebês, crianças, idosos e mulheres grávidas, foram vítimas
de bárbaros experimentos, além de trabalhos forçados extenuantes, expostos às
doenças, fome, inanição e vivissecção. Como afirma o historiador Norm Haskett,
da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), laboratórios de pesquisa
produziam em massa doenças epidêmicas e virais, como a peste bubônica, a cólera
e o antraz. Acredita-se que a Unidade 731 causou nada menos que 200 mil mortes
de militares e civis entre 1932 a 1945. Em um acordo fechado com as forças de
ocupação dos EUA, a maioria dos acusados japoneses nunca foi levada à justiça
depois da guerra.
Fig. 17 - Tanque japonês desfila após sangrenta conquista e tomada de
Xangai
https://i1.wp.com/www.military-history.org/wp-content/uploads/2013/02/Park-Hotel-A.jpg
Louise Young (1999, p. 7), em seu “Japan’s Total Empire” relata que na memória pública,
sobrevivente aos Julgamento de Crimes de Guerra de Tóquio, predomina o discurso
de uma conspiração militar que apossou-se do governo e forçou o povo japonês a
uma guerra imprudente. Há na atualidade significativos projetos de pesquisa que
favorecem a convicção de uma nova visão para o cenário imperialista japonês.
Fig. 18 - Pôster japonês, propaganda a serviço do Eixo: Hitler, Konoe e
Mussolini
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No ocidente muito se argumenta das atrocidades cometidas pelo fascismo e
totalitarismo italiano e alemão, afinal o holocausto é uma mancha na história
da humanidade. Mas é imprescindível também se problematizar sobre as vítimas do
imperialismo no oriente, a governamentalidade japonesa utilizou das
instituições sociais para garantir o poder pela ação coletiva. Câmaras de comércio,
partidos políticos e grupos de mulheres foram subordinados à burocracia
estatal, comitês, ministérios e agências. A ocupação japonesa foi violenta,
perversa e brutal, mas entrou para a história como se seus perpetradores fossem
apenas vítimas do Estado, tal cenário pode ser visto na entrevista de Hannah
Arendt a Adolf Eichmann sobre a banalização do mal e o distanciamento da
realidade. No Japão a cultura da devoção incondicional ao projeto do Estado
Imperial cegou um dos povos mais virtuosos de toda humanidade, nem mesmo
Confúcio foi capaz de lhes salvar.
Fig. 19 - O bucólico e pacífico Japão da atualidade, destaque castelo
Himeji
http://www.japanphotoguide.com/wp-content/uploads/2016/05/Japan-Photo-Guide-Himeji-058.jpg
Referências
Jean Carlo Lima de Moura é
acadêmico do último ano do curso de História da Universidade Norte do Paraná.
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Você pode fazer uma relação entre a revolução Meiji e a vinda de imigrantes ao Brasil?
ResponderExcluirRafael Ramos Teixeira
Qto a pergunta acima, gostaria de saber por que a Revolução não fez com que ficassem no Japão onde a nação estava em desenvolvimento?
ResponderExcluirRafael Ramos Teixeira
Obrigado por sua pergunta Rafael Ramos Teixeira, ensejando desobscurecer as incipientes razões que culminaram a uma mentalidade de devoção incondicional do povo japonês ao projeto imperialista de Estado frente às outras nações asiáticas, meu texto buscou pincelar as questões anteriores e posteriores ao fim do Xogunato Tokugawa, a vinda de imigrantes japoneses ao Brasil está ligado sim a este processo, foram imigrantes que basicamente vieram de Okinawa, região mais ao sul, que na época ainda era muito rural e mais pobre do que o resto do Japão. Inclusive existia um preconceito contra os nativos de Okinawa por serem mais escuros que o resto do povo japonês das ilhas maiores ao norte. Foi uma questão de superpovoamento, dificuldades para o abastecimento alimentar, haja vista que a mecanização deixou muita gente desempregada, e o Brasil era uma "pequena potência" no campo agrícola devido a exportação do café, houve acordo entre o Império japonês e a República dos Estados Unidos do Brasil (assim que nosso país se chamava à época), uma companhia de colonização facilitou os trâmites para que viessem ao Brasil, encerro por aqui minhas explanações, devido este assunto não ser o foco do meu artigo e devido às minhas leituras e profundidade de minhas pesquisas não centrarem-se na imigração japonesa ao Brasil. Mas lhe indico interessantes leituras nos links: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/listas_bordo/VAP032719080430.pdf (contabilização dos que para o Brasil vieram) e: https://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_japonesa_no_Brasil (texto mais direcionado e muito bem confeccionado acerca da imigração japonesa ao Brasil)
ResponderExcluirAtt.
Jean Carlo Lima de Moura
Após o fim do feudalismo japonês, com a criação das prefeituras para centralizar o poder, os antigos senhores feudais das regiões viraram os prefeitos dessas novas prefeituras?
ResponderExcluirIgor Trindade de Almeida
O exercito reformulado japonês ele mantinha costumes e ordenações do período feudal? Sendo que era tão importante, ao ponto de estar no slogan do país.
ResponderExcluirIgor Trindade de Almeida
Obrigado, Igor Trindade de Almeida, por sua pergunta. O processo de restauração Meiji ocorreu de modo progressivo e a administração das subdivisões regionais do Japão passou por um processo de transformação. Os antigos Daimio permaneceram com poderes em seus antigos domínios, antes feudais, sendo elevados a cargo de governadores, e sua autoridade militar foi reconhecida, como esclarece Yukihiko Motoyama (p. 130). Porém muitas outras subdivisões, a saber: domínios regionais (han) distritos metropolitanos (fu) e prefeituras (ken) estavam servidos de uma burocracia estatal diversa: o governador; conselheiros regulares e provisórios (superiores e inferiores); funcionários administrativos locais seriores e juniores; e escrivães. Antes da Segunda Guerra Mundial estes líderes locais eram indicados pelo Ministério do Interior, sendo um oficial permanente, e após a guerra passaram a ser eleitos pelo povo.
ResponderExcluirIgor Trindade de Almeida, respondendo sua segunda pergunta, na realidade o Japão da era Meiji voltou-se ao ocidente de forma exagerada, valores, sentimentos e tradições foram importados, em cartas dos emissários japoneses que foram ao ocidente há essa tendência pró-prussiana, Furushò Kamon relatou que "todos (no Japão), incluindo mulheres e crianças, cantam canções de lealdade e patriotismo nos dias festivos alemães", "mas se deram ao trabalho de traduzí-las para o japonês". Foi instituído no Japão um programa da língua alemã porque a Alemanha (conforme palavras de Sassa Tomofusa) era “muito parecida com o nosso próprio país”, portanto os estudos alemães poderiam ser “utilizados para o benefício do nosso país”. Mori Arinori foi incubido de criar um sistema de educação popular que sustentasse uma ordem constitucional de estilo prussiano. Concluindo, conforme estabeleci em meu texto, o estilo samurai para o exército foi abandonado, e o Japão adotou uma formação pautada no padrão ocidental prussiano, extrema disciplina e devoção. Nas cartas de Sassa de 1885 ou 1886 para Adachi Kenzò e outros, sustentam que “o único caminho” para os Shimeikai (o partido anarquista) ajudarem na construção do Japão era “cultivar o espírito de lealdade ao governante e amor ao país”, um espírito que ele sabia devido aos relatórios de Furushò - "a essência da prosperidade e do progresso da Alemanha". (MOTOYAMA, p.286)
ResponderExcluirAtt.
Jean Carlo Lima de Moura
Parabéns pelo artigo Jean, minha questão é com relação ao impacto cultural da "ocidentalização do Japão. Quais fatores culturais o estado preferiu priorizar para mudar e quais ele preferiu manter para justificar o patriotismo e o pensamento único no Japão?
ResponderExcluirAlberto Ferreira e Souza.
Obrigado pela pergunta e pelo elogio Alberto. Ocorre que a ocidentalização do Japão não aconteceu de modo integral ou global, foi um processo lento e gradual, mas que gerou um enorme impacto. A segunda metade do século XIX viu surgir a implementação dos Estados-Nação (um povo, uma língua, um território) e essas ideias de nacionalismo podemos encontrar em diversos autores, inclusive no Mein Kampf de Hitler, Estados pluriétnicos como o caso da Áustria-Hungria se esfacelaram e deram lugar a estados menores, Hinos nacionais, brasões, bandeiras e a ressignificação de tradições foram as chaves para a sedimentação desses valores no povo. O Japão, ainda no final do período Tokugawa, enviou jovens de sua aristocracia para estudarem na Europa (igual ocorreu aqui no Brasil no século XVIII quando jovens voltaram de Universidades na Europa e revoltas - como a Inconfidência Mineira - eclodiram devido a ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade, motes da Revolução Francesa), não foi diferente no Japão, as tradições japonesas baseadas no confucionismo não foram esquecidas ou abolidas, mas utilizaram do "modus operandi" europeu para inculcarem no povo aquilo que era orgânico, natural. Meu texto demonstra essa "intelligentsia" japonesa, como o poeta filósofo Haga Yaichi (pelo sentimento de superioridade, papel civilizador, o Estado como um corpo uníssono e todos interligados pela imagem do imperador etc.), responsável pela ruptura desse contexto histórico, fizeram o Japão se espelhar no ocidente. Sendo específico em sua questão, tudo o que representasse o passado feudal japonês foi transformado (a educação reparametrizada, o exército reformado e reestilizado, a estrutura administrativa alterada), utilizaram o imperador como símbolo do povo japonês (fortalecendo rituais e cultos, a hierarquia familiar, respeito indiscutível aos superiores e mestres de ofício), tal qual salienta Mark Anderson, o tal ventriloquismo nada mais era do que um método de controle social, e a supressão da individualidade se deu através da coerção, a burocracia do Estado foi incumbida de determinar comportamentos e fiscalizar a população inclusive nos mais remotos rincões. Alguns autores não chamam o período de Restauração Meiji e sim de Golpe de Estado, inclusive me atrevo a sustentar que o ocorrido no Japão a partir de 1866 foi uma Revolução no sentido literal da palavra.
ResponderExcluirAtte.,
Jean Carlo Lima de Moura
Excelente Jean, muito obrigado pelos esclarecimentos.
ExcluirAgradeço a todos que participaram e fico extremamente feliz e lisonjeado por participar deste incrível evento, é fato que o ensino e aprendizagem de história, aliado à pesquisa e à produção do conhecimento histórico de forma colaborativa e dialógica é o ideal caminho para conseguirmos influenciar positivamente o fascínio por esta maravilhosa ciência, agradeço encarecidamente esta oportunidade.
ExcluirArte.,
Jean Carlo Lima de Moura