Renan Morim


“CONFUCIUS SINARUM PHILOSOPHUS” E A CRENÇA JESUÍTA NO MONOTEÍSMO DE CONFÚCIO
Renan Morim Pastor

Em 1687, é impressa na França a obra que tornaria o nome de Confúcio (551-479 a.C) conhecido em todo a Europa. Escrita pelos jesuítas Phillipe Couplet (1623-1693), Prospero Intorcetta (1626-1696), Christian Wolfgang Herdtrich (1625-1684) e François de Rougemont (1624-1676), a “Confucius Sinarum Philosophus” (Confúcio, o filósofo da China) consistia num compêndio contendo um misto de tradução e interpretação das obras do filósofo em latim. Faziam parte da “Sinarum Philosophus” o “Lunyu” (Analectos), o “Daxue” (O Grande Aprendizado) e o “Zhongyong” (A Doutrina do Caminho).
Das três obras, o “Lunyu” é considerado a mais importante no que concerne a filosofia confuciana e é sobre ela que nos debruçaremos aqui, a partir da edição lançada em 2015, pelo filósofo e sinólogo francês Thierry Meynard, que contém o original em latim, os caracteres chineses (que haviam sido levados em manuscrito para a Europa na época, mas nunca publicados) e a tradução em língua inglesa. O “Lunyu” consiste em uma série de máximas, normalmente na terceira pessoa, contendo passagens ou pequenas histórias envolvendo Confúcio e seus discípulos, contendo os diálogos entre as partes e por vezes um curto debate moral no final da passagem, explicando as lições do filósofo. Acredita-se que o “Lunyu” foi escrito pelos próprios discípulos de Confúcio entre 475-221 a.C, começando a circular em sua versão completa durante a Dinastia Han (206-220 a.C).
Os jesuítas mantiveram este formato, porém reduzir o texto a uma tradução seria simplificar demais o trabalho dos missionários. Couplet e os outros jesuítas não traduziram o texto original do “Lunyu” para o latim apenas, mas escreveram eles mesmos a sua própria interpretação da obra, mantendo muito do corpo original do texto e acrescentando ou retirando palavras, sentenças e até notas de rodapé, com a função de explicar ao seu leitor europeu algumas particularidades da cultura e da história chinesa, além de inserir certos conceitos bíblicos e religiosos na obra, por vezes com função de analogia, a fim de facilitar o entendimento de certos conceitos pelo leitor europeu. A análise da tradução jesuíta do “Lunyu” é uma importante ferramenta para pensarmos não apenas na interpretação e representação jesuítica do confucionismo, mas do próprio Confúcio. O “Sinarum Philosophus” também serviu como a grande introdução do filósofo chinês na Europa e uma peça de propaganda da missão jesuítica na China.
A produção do “Confucius Sinarum Philosophus”
Os primeiros esforços de tradução das obras de Confúcio começaram com Michele Ruggieri [1543-1607], que após voltar para Itália em 1590, depois de anos atuando na China, passa a trabalhar na tradução dos livros de Confúcio para o latim, porém seus manuscritos nunca foram impressos, com a exceção de uma parte do prefácio do “Daxue” [Meynard, 20015]. Alguns anos depois, em 1593, Matteo Ricci [1552-1610] recebe ordem de Alessandro Valignano [1539-1606], comandante das missões jesuítas na Ásia, para a produção de uma tradução dos livros de Confúcio, para que fosse utilizada como base para a elaboração de um novo catecismo em língua chinesa, que substituiria o que fora escrito por Ruggieri anos antes. A intenção de Valignano com a ordem era utilizar a filosofia confuciana como suporte para a mensagem cristã na China, todavia, era necessário que os livros fossem traduzidos para o latim para que fossem avaliados pelos oficiais da Companhia de Jesus. Em 1595, Ricci envia o manuscrito para seus superiores em Goa, porém essa cópia se perdeu [Standaert, 2001]. Apesar disso, os jesuítas que atuaram na China utilizaram por anos as traduções de Ricci como forma de aprendizado da língua chinesa [Mungello, 1988].
Por várias décadas, a tentativa de introdução das obras de Confúcio na Europa atingiu um hiato, que durou até 1662, quando Intorcetta, junto com o português Ignácio da Costa [1599-1666] produziram o “Sapienta Sinica” (que continha partes do “Lunyu” e do “Daxue”) através dos manuscritos deixados por Ricci [Rule, 1972]. O trabalho foi impresso na China e circulou entre os missionários, mas acabou não sendo publicado na Europa. Todavia, em 1668, Intorcetta foi escolhido como Procurador da missão, com o intuito de divulgar as ações jesuítas nas cortes europeias. Neste período, o missionário aproveita sua viagem para aplicar os toques finais na tradução do “Zhongyong”, que foi impresso em Goa em 1669 com o título de “Sinarum Scientia Politico-Moralis” (que contou com a participação e revisão de dezesseis jesuítas, incluindo Couplet, Herdtrich e de Rougemont). O trabalho de Intorcetta não teve uma grande circulação na Europa, mas foi republicado na França pelo bibliotecário real Melchisédech Thévenot [1620-1692] como parte de seu livro “Relations de divers voyages curieux”, desta forma se tornando a primeira tradução de uma obra chinesa a ser publicada na Europa [Rule, 1972].
Embora o “Sinarum Scientia Politico-Moralis” não tenha feito grande sucesso na Europa, a sua produção reuniu o time de tradução que passaria a trabalhar no resto das obras de Confúcio, e que acabaria por culminar no “Confucius Sinarum Philosophus”. Em 1680, o escolhido para representar a missão jesuíta na Europa é Couplet, que durante nove anos viajou pelo continente, passando pelos Países Baixos até França, dali para a Itália, Espanha, Portugal e Inglaterra, tentando conseguir doações das cortes e voluntários da Companhia que o acompanhassem de volta para a Ásia. Enquanto esteve na França, mostrou seus manuscritos para Thévenot, que manifestou interesse na publicação do “Sinarum Philosophus”. Depois de uma conversa com o Imperador Luís XIV [1638-1715] e um pedido formal enviado para Roma, fica acertada a publicação da obra em Paris. Os manuscritos são transportados da Itália para a França e em 1687 Couplet começa a trabalhar na edição final da obra. No mesmo ano, o livro recebe a permissão do Censor Real da França para ser publicado. Couplet dedica o prefácio à Luís XIV, como forma de gratidão pelo apoio do Rei, tanto na publicação e impressão do livro, quanto com a ajuda financeira enviada para a missão da China [Brockey, 2007].
A recepção do Confucius Sinarum Philosophus na Europa
A tradução jesuíta dos clássicos de Confúcio, principalmente o “Lunyu”, fez bastante sucesso na Europa do século XVII, com publicações em diversas línguas além do latim, como francês, alemão e o inglês. Depois do sucesso do “Confucius Sinarum Philosophus”, os responsáveis pela publicação da obra (Horthemels) lançaram uma versão reduzida e mais barata, intitulada “Lettre sur la Morale de Confucius, Philosophe de la Chine”, provavelmente editada e traduzida pelo padre católico Simon Foucher (1644-1696). O livro possuía vinte e nove páginas, divididas em prefácio e partes do “Daxue”, “Zhongyong” e “Lunyu”, além de um epílogo. No prefácio, Foucher ressalta a natureza prática da sabedoria chinesa e como ela é compatível com a cristandade: “Nós podemos ver em Confúcio um esboço da cristandade e um resumo de tudo o que os filósofos reconheceram como o mais adequado em questões de moral” [Meynard, 2015].
A publicação de Foucher foi apenas um exemplo dentre várias outras que se espalharam pela Europa após o lançamento da obra. Em Amsterdam, Louis Couisin [1627-1707] foi provavelmente o autor de uma versão um pouco maior, também em francês, de 130 páginas chamada “La Morale de Confucius” em 1688. Em 1691 uma tradução em inglês do trabalho citado anteriormente foi publicada na Inglaterra, intitulada “The Morals of Confucius, a Chinese Philosopher”. Meynard atribui ao “Sinarum Philosophus” e suas muitas abreviações a inspiração de figuras famosas como Gottfried Leibniz [1646-1716], Pierre Bayle [1647-1706] e Voltaire [1694-1778], enquanto o filósofo alemão Georg Bernhard Bilfinger [1693-1750] publicara um tratado sobre a moralidade e a política baseado no pensamento confuciano [Meynard, 2015].
Toda a publicidade e evidência de Confúcio na Europa era benéfica para a Igreja, que sempre cuidou da imagem pública da missão da China, com a publicação de cartas cuidadosamente selecionadas e editadas que contassem as descobertas e o dia-a-dia dos missionários, além, é claro, de seus feitos de conversão no distante Império da China. O motivo destas publicações era não só despertar a curiosidade e o desejo de auxiliar nas missões aos jovens missionários na Europa, mas também de angariar fundos e doações das coroas europeias.
O suposto monoteísmo de Confúcio
Uma das bases mais importantes da interpretação jesuíta do confucionismo era de que na China antiga, antes mesmo de Confúcio, existia uma religião monoteísta, que na visão dos jesuítas, possuía poucos erros de fé e adorava e temia o “paraíso” (tian), que segundo a descrição de muitos filósofos (incluindo Confúcio) possuía muitos paralelos com o Deus cristão. Essa era uma visão que já existia antes mesmo da escrita do “Sinarum Philosophus”, e começou com os estudos das obras de Confúcio por jesuítas como Matteo Ricci e Nicolas Trigault [1577-1628], que escreve, com o auxílio dos diários de Ricci em 1621 a sua obra “De Christiana expeditione apud sinas”, onde afirma que: “os chineses, desde seu princípio, adoravam a um supremo Deus, que eles chamavam Rei do Céu, ou com outro nome, céu e terra” [Trigault, 1621]. Trigault afirma que estas informações estão contidas nos anais da história chinesa e teriam sido escritas há quatro mil anos ou mais, reforçando que os livros dos antigos filósofos chineses (alguns até mais antigos que Confúcio) continham ótimos ensinamentos para a virtude, escritos por homens muito sábios e que eram homenageados até aquela época, não devendo nada a muitos filósofos do mundo Antigo europeu [Trigault, 1621].
Os jesuítas apontam que a chegada do budismo na China corrompeu os ensinamentos dos antigos filósofos e fez com que esse monoteísmo fosse parcialmente esquecido ou misturado entre as crenças budista e taoísta. Em seu estudo sobre a figura de Confúcio, o historiador Lionel Jensen diz que ante os olhos dos jesuítas, o filósofo apareceu como “um profeta, homem sagrado e santo (...) um colega espiritual que pregou sozinho entre os chineses a sabedoria antiga de um monoteísmo agora esquecido” [Jensen, 1997]. Para Jensen, foi baseado nestas premissas que os jesuítas propuseram, na China, uma restauração do que consideraram o “verdadeiro aprendizado” de Confúcio, que seria completado com o cristianismo para assim trazer a prosperidade que estivera em falta na China, principalmente se levarmos em conta o tumultuado fim da Dinastia Ming, quando a missão jesuíta na China começou [Koo San, 2014].
No “Confucius Sinarum Philosophus”, essa interpretação de Confúcio é afirmada diversas vezes. Em uma das intervenções jesuítas no texto, Couplet afirma que muitos confucianos convertidos ao cristianismo ou que teriam “honestamente entendido e compreendido sua sacralidade, não hesitariam em afirmar que se seu filósofo estivesse vivo hoje, ele certamente seria o primeiro a abraçar a fé cristã” [Meynard, 2015]. Os jesuítas também julgavam que Confúcio reconhecera as leis do paraíso, e seu autor, porque era capaz de respeitar e temer o paraíso, como está descrito neste trecho do “Lunyu”: “Confúcio disse: um homem sábio e honesto teme três coisas: ele teme as ordens do paraíso, grandes homens e as palavras dos santos” [Meynard, 2015]. Depois do trecho citado, os jesuítas acrescentam uma nota explicando que o Grande Secretário Zhang [1525-1582], responsável pelo comentário que traduziram, conclui uma longa exposição que na visão dos missionários seria “muito cristã”, ensinando que os temores apontados por Confúcio poderiam ser resumidos em apenas um: honrar o paraíso e nada mais, definido pelo termo Jiangtian eryi [Meynard, 2015].
As bênçãos ou punições do paraíso são um tema recorrente no “Lunyu”, e vemos Confúcio expressando ideias similares em múltiplas passagens durante o livro, como por exemplo onde o filósofo afirma que: “Ele que peca contra o paraíso, não pode rezar a nenhum outro espírito maior pelo perdão de seu pecado” [Meynard, 2015]. Esta sentença também é encontrada no catecismo de Ricci, o “Tianzhu Shiyi”, para comprovar a interpretação do missionário de que Confúcio acreditaria no Deus cristão e no poder do paraíso [Meynard, 2015]. Na versão jesuíta do “Lunyu”, em várias instâncias os missionários interrompem o texto para contextualizar a situação ou para informar melhor ao seu leitor europeu de contos e contextos históricos relacionados com a China. Em um destes momentos, os jesuítas comentam sobre um livro chamado “As Instruções de Gao Yao”, que supostamente vivera 1600 anos antes de Confúcio e foi Ministro da Lei do semi-lendário Imperador Shun. As instruções de Gao Yao incluem conselhos para o Imperador e maneiras de como um governante deve se adaptar e se transformar para melhor atender os desejos de seus súditos, levando o paraíso como exemplo e norma. Em um dos trechos traduzidos pelos missionários, Gao Yao também comenta sobre as bênçãos e punições do paraíso, muito antes até de Confúcio. Ele diz:
“(...) o supremo Imperador do paraíso não tem limites. Se ele vê pessoas desonestas, ele as pune. Se ele vê pessoas honestas, ele as abençoa. Dessa forma, como em qualquer lugar, o Paraíso pode mandar desastres ou felicidades dependendo da virtude do povo” [Meynard, 2015].
Dessa forma, percebemos que a crença dos jesuítas de que na China Antiga havia uma religião monoteísta que acreditava em uma divindade similar a sua foi construída com as leituras e o estudo não só de Confúcio, mas de outros filósofos, inclusive anteriores a ele, como o próprio Gao Yao.
Conclusão
No processo de escrita de suas cartas, relatórios, traduções enviadas para a Europa e até mesmo livros (já que mesmo as obras em chinês deveriam ter uma cópia em latim para ser enviada aos censores da Companhia de Jesus em Goa), os jesuítas procuraram construir uma imagem de Confúcio que afirmasse a prerrogativa original de seu método de evangelização. O filósofo deveria ser o pilar de uma antiga religião monoteísta perdida na China Antiga, símbolo máximo de várias escolas de pensamento fundadas em seu nome, escolas que embora possuíssem algumas conotações religiosas, não eram idólatras, como os budistas e taoístas. O estudo que os jesuítas fizeram da filosofia de Confúcio e as características próprias das escolas de pensamento confuciano, com suas diversas academias e diferentes linhas filosóficas ajudaram a integrar de maneira eficiente a teoria jesuíta de que o cristianismo e o confucionismo seriam complementares.
O sinólogo Paul Rule ressalta que os missionários eram considerados pelos chineses estranhos e familiares ao mesmo tempo. Familiares pelo conhecimento que tinham de Confúcio e sua filosofia e estranho por alguns de seus costumes e crenças. Essa familiaridade atraía os letrados confucianos, curiosos pela maneira como os estrangeiros descreviam sua religião em termos comuns aos chineses, na crença que tinham de que seu Deus era o mesmo paraíso reverenciado e temido por Confúcio. O cristianismo não era exposto aos chineses como um sistema religioso, mas sim como um conjunto de valores cultivados por homens com grande senso moral [Rule, 1972].
De certa forma, ao escreverem o “Confucius Sinarum Philosophus”, destinado a um público europeu, os missionários se apropriaram desta mesma estranheza e familiaridade, porém revertendo as opções. Dessa vez, mostravam como a filosofia de Confúcio se aproximava do cristianismo, e sua crença no paraíso o aproximava mais do monoteísmo que da idolatria. Além disso, seus ensinamentos filosóficos eram descritos como um conjunto de valores morais e virtudes que poderiam ser seguidas por qualquer um, sendo esta a parte que mais ressonou entre os filósofos europeus citados anteriormente, como Leibniz, Bayle e Voltaire. Quando os jesuítas afirmaram que Confúcio e os outros filósofos da China Antiga acreditavam no mesmo Deus que os cristãos, os missionários criaram a ponte que julgavam ser necessária para encurtar as diferenças culturais entre China e a Europa, delineando sua própria interpretação da filosofia confuciana. Mais ainda, ao apresentar essa filosofia para a Europa de maneira direta, com a publicação do “Sinarum Philosophus”, os jesuítas apresentaram sua própria versão de Confúcio e do confucionismo para todo o Ocidente, uma versão que reconhecemos até os dias atuais.
Referências
Renan Morim Pastor, mestre e doutorando em história - UFRRJ.
Tradução trilíngue (Original em latim, inglês e chinês) do Lunyu contida em: MEYNARD, T. The Jesuit Reading of Confucius. The first complete translation of the Lunyu (1687) published in the West. Leiden, Boston: Brill 2015.
Biblioteca da Universidade Complutense de Madrid:
TRIGAULT, Nicolas; RICCI, Matteo. Istoria de la China I Cristiana empresa hecha en ella por la Compañia de Iesus. Sevilla: por Gabriel Ramos Veiarano, 1621.
BROCKEY, Liam Matthew. Journey to the East: The Jesuit Mission to China, 1579 – 1724. Cambridge, Mass.; Havard University Press, 2007.
JENSEN, L.M. Manufacturing Confucianism: Chinese Traditions and Universal Civilization. Durham, North Carolina: Duke University Press, 1997.
KOO SAN, Tan. Dynastic China: An Elementary History. Malaysia: The Other Press Sdn. Bhd. 2014.
MUNGELLO, David E. The Seventeenth-Century Translation Project of the Confucian Four Books. In: East Meets West: The Jesuits in China, 1582-1773, ed. Charles Ronan and Bonnie Oh. Chicago: Loyola University Press, 1988.
RULE. P.A. K’ung Tzu or Confucius? The Jesuit Interpretation of Confucionism. Tese de Doutorado em Filosofia: Australian National University. Camberra. 1972.
STANDAERT, Nicolas. Handbook of Christianity in China (635-1800). Leiden: Brill. 2001.

7 comentários:

  1. Primeiramente gostaria de parabenizar você Renan Morim pelo trabalho de grande relevância para o entendimento de um filósofo tão importante como é o Confúcio. Todavia vejo que mesmo com todo uma importância no conhecimento com relação a história de filósofos chineses assim como Confúcio ainda falta muito a ser evidenciado, justamente dentro dessa lacuna que eu destaco a importância de um evento como esse para a disseminação a respeito de um povo muitas das vezes totalmente desconhecido para nós brasileiros. Nesse quesito gostaria que vc me respondesse: durante sua pesquisa foi difícil encontrar informações a respeito da vida desse filósofo? Tendo em vista que muitas obras orientais importantes ainda não são traduzidas.

    Agradeço desde já. Trabalho de grande fundamentação teórica.

    Ass. Ruan David Santos Almeida

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    1. Olá Ruan, muito obrigado pelo seu comentário e elogios.

      Respondendo a sua pergunta, existem sim dificuldades na procura de materiais sobre o estudo de Confúcio e sua filosofia, principalmente em português. Eu não sei se esta pesquisa teria sido possível nestes termos 15 anos atrás, sem a força que a internet possui nos dias de hoje, e isso é um ponto positivo, que pode ajudar a encorajar historiadores brasileiros que estejam interessados no estudo deste tema. Todavia, é importante ressaltar que o bom conhecimento da língua inglesa, pelo menos no momento, é indispensável para a realização de uma pesquisa como essa. Não só o volume de bibliografia em língua inglesa é muito maior do que em português, mas também a sua disponibilidade em sites e revistas acadêmicas de fácil acesso também é muito maior. A pesquisa em língua portuguesa fica refém da maioria das obras produzidas em Portugal, que não tem a mesma abrangência das obras em língua inglesa na internet, dependendo de importações e afins.

      Obrigado novamente pelo comentário.

      Renan Morim Pastor

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  2. Caro Renan Morim,

    Parabéns pelo artigo. É intrigante como o SimpOriente2019 nos trouxe para um debate do século XVII. Refiro-me a “Controvérsia dos ritos na China” pois durante minha graduação trabalhei com o autor João Rodrigues que serviu ao Visitador Valignano no Japão e residiu em Macau entre 1610-1633 e foi um ávido crítico da aculturação de Ricci ao usar os termos s Tiānzhǔ (天主) e Shàngdì (上帝) como traduções da palavra Deus, seja para converter os chineses ao Cristianismo ou para dizer que os chineses eram monoteístas. Então eis a reflexão que gostaria de repartir com você e suas leituras.
    Ao que me parece, para os jesuítas e estudiosos na China, houve um primeiro momento monoteísta (talvez esteja se referindo à Nestorian Stone - Xi'an Stele), seguido de um esquecimento por conta do budismo, e um retorno por meio dos ensinos de Confúcio. Seria isso mesmo?

    Se for, temos aqui o ponto de confronto direto com Rodrigues e outros jesuítas que não questionam a Nestorian Stone ou este monoteísmo primitivo, mas apresentam o confucionismo como uma vertente ora agnóstica ora panteísta, mas certamente não é monoteísta. Logo, não há um retorno, apenas mais uma forma de paganismo.

    Um pouco deslocado do tema, mas a título de curiosidade, segundo Rodrigues os ideogramas foram inventados pelos chineses há mais de 3.900 anos antes de seu tempo (1622) e que isso foi apenas cem anos após a confusão das línguas na Torre de Babel. Em outras palavras, segundo a tradição cristã, ele defende que o mandarim é uma das línguas primitivas mais antigas no pós-dilúvio e criada diretamente por Deus.

    Obrigado,
    Joanes da Silva Rocha

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    1. Olá Joanes, obrigado pelo seu comentário.

      Sobre a Estela Nestoriana (Nestorian Stone \ Steele), em nenhum momento nem os jesuítas nem os estudiosos sobre a China atrelaram a sua existência (da Estela) ao suposto monoteísmo que teria existido na época de Confúcio. A Estela foi feita pelos cristãos nestorianos em 653 d.C e descoberta apenas no século XVII, na década de 1620, quando a missão jesuíta na China já estava consolidada. A sua existência não afetou em nada os estudos e as conclusões jesuítas sobre Confúcio, pois a primeira geração de missionários que começaram este estudo, como Ricci, não sabiam de sua existência.

      A teoria jesuíta sobre o suposto monoteísmo de Confúcio vem da crença de que o filósofo e seus seguidores acreditavam apenas em tian, o paraíso e não cultuavam outros deuses. A chegada do budismo na China teria introduzido os ídolos e com isso a filosofia de Confúcio teria sido deturpada pela presença dos mesmos e corrompida. Dessa forma, os missionários acreditavam que um retorno à filosofia original de Confúcio, aliada ao cristianismo poderia trazer a virtude de volta ao Império, principalmente nos momentos de crise de fins da Dinastia Ming.

      Na sua edição dos diários de Ricci, o jesuíta Nicolas Trigault afirma que os chineses antigos adoravam apenas um deus supremo, o "Rei do Céu", denotando que acreditavam no monoteísmo dos chineses antigos. A Estela Nestoriana tem muito pouca influência na missão da China e sua presença apenas serviu para demonstrar aos jesuítas que outros cristãos estiveram ali antes deles, como demonstra Paul Rule.

      Existem controvérsias no discurso jesuíta sobre Confúcio, a partir do momento em que os jesuítas atribuem a sua filosofia conotações religiosas e monoteístas, ao mesmo tempo que tentam focar muito mais no aspecto virtuoso e filosófico de seus ensinamentos, conforme a necessidade do discurso.

      Espero ter ajudado na reflexão.

      Renan Morim Pastor

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  3. Muito bom o texto, gostaria de parabenizar o autor. Me questionando sobre o desconhecimento do ocidente por muito tempo sobre a sabedoria do oriente, poderia me dizer se após a atenção que os jesuítas deram ao Confúcio, o mundo ocidental daquele período da Era moderna chegou a dar um pouco mais de atenção a filosofia oriental?


    Afranio Junior de Melo Barros

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    1. Olá Afranio, obrigado pelo seu comentário e elogio!

      Respondendo a sua pergunta, sim. Depois da publicação do Confucius Sinarum Philosophus, a filosofia de Confúcio (ou a versão jesuíta dela, de uma certa forma), passou a ser conhecida na Europa e foi lida por figuras conhecidas, como Gottfried Leibniz [1646-1716], Pierre Bayle [1647-1706] e Voltaire [1694-1778], enquanto o filósofo alemão Georg Bernhard Bilfinger [1693-1750] publicara um tratado sobre a moralidade e a política baseado no pensamento confuciano [Meynard, 2015]. A Confucius Sinarum Philosophus também recebeu diversas traduções nas décadas que seguiram sua publicação em Paris, ganhando versões em francês, inglês e alemão e durante muito tempo foi a referência européia sobre a obra confuciana, pelo menos até a publicação das traduções de James Legge no século XIX.

      Renan Morim Pastor

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