“CONFUCIUS SINARUM PHILOSOPHUS” E A CRENÇA
JESUÍTA NO MONOTEÍSMO DE CONFÚCIO
Renan Morim Pastor
Em 1687, é
impressa na França a obra que tornaria o nome de Confúcio (551-479 a.C)
conhecido em todo a Europa. Escrita pelos jesuítas Phillipe Couplet
(1623-1693), Prospero Intorcetta (1626-1696), Christian Wolfgang Herdtrich
(1625-1684) e François de Rougemont (1624-1676), a “Confucius Sinarum
Philosophus” (Confúcio, o filósofo da China) consistia num compêndio contendo
um misto de tradução e interpretação das obras do filósofo em latim. Faziam
parte da “Sinarum Philosophus” o “Lunyu” (Analectos), o “Daxue” (O Grande
Aprendizado) e o “Zhongyong” (A Doutrina do Caminho).
Das três
obras, o “Lunyu” é considerado a mais importante no que concerne a filosofia
confuciana e é sobre ela que nos debruçaremos aqui, a partir da edição lançada
em 2015, pelo filósofo e sinólogo francês Thierry Meynard, que contém o
original em latim, os caracteres chineses (que haviam sido levados em
manuscrito para a Europa na época, mas nunca publicados) e a tradução em língua
inglesa. O “Lunyu” consiste em uma série de máximas, normalmente na terceira
pessoa, contendo passagens ou pequenas histórias envolvendo Confúcio e seus
discípulos, contendo os diálogos entre as partes e por vezes um curto debate
moral no final da passagem, explicando as lições do filósofo. Acredita-se que o
“Lunyu” foi escrito pelos próprios discípulos de Confúcio entre 475-221 a.C,
começando a circular em sua versão completa durante a Dinastia Han (206-220
a.C).
Os
jesuítas mantiveram este formato, porém reduzir o texto a uma tradução seria
simplificar demais o trabalho dos missionários. Couplet e os outros jesuítas
não traduziram o texto original do “Lunyu” para o latim apenas, mas escreveram
eles mesmos a sua própria interpretação da obra, mantendo muito do corpo
original do texto e acrescentando ou retirando palavras, sentenças e até notas de
rodapé, com a função de explicar ao seu leitor europeu algumas particularidades
da cultura e da história chinesa, além de inserir certos conceitos bíblicos e
religiosos na obra, por vezes com função de analogia, a fim de facilitar o
entendimento de certos conceitos pelo leitor europeu. A análise da tradução
jesuíta do “Lunyu” é uma importante ferramenta para pensarmos não apenas na
interpretação e representação jesuítica do confucionismo, mas do próprio
Confúcio. O “Sinarum Philosophus” também serviu como a grande introdução do
filósofo chinês na Europa e uma peça de propaganda da missão jesuítica na
China.
A produção do “Confucius Sinarum Philosophus”
Os
primeiros esforços de tradução das obras de Confúcio começaram com Michele
Ruggieri [1543-1607], que após voltar para Itália em 1590, depois de anos
atuando na China, passa a trabalhar na tradução dos livros de Confúcio para o
latim, porém seus manuscritos nunca foram impressos, com a exceção de uma parte
do prefácio do “Daxue” [Meynard, 20015]. Alguns anos depois, em 1593, Matteo
Ricci [1552-1610] recebe ordem de Alessandro Valignano [1539-1606], comandante
das missões jesuítas na Ásia, para a produção de uma tradução dos livros de
Confúcio, para que fosse utilizada como base para a elaboração de um novo catecismo
em língua chinesa, que substituiria o que fora escrito por Ruggieri anos antes.
A intenção de Valignano com a ordem era utilizar a filosofia confuciana como
suporte para a mensagem cristã na China, todavia, era necessário que os livros
fossem traduzidos para o latim para que fossem avaliados pelos oficiais da
Companhia de Jesus. Em 1595, Ricci envia o manuscrito para seus superiores em
Goa, porém essa cópia se perdeu [Standaert, 2001]. Apesar disso, os jesuítas
que atuaram na China utilizaram por anos as traduções de Ricci como forma de
aprendizado da língua chinesa [Mungello, 1988].
Por várias
décadas, a tentativa de introdução das obras de Confúcio na Europa atingiu um
hiato, que durou até 1662, quando Intorcetta, junto com o português Ignácio da
Costa [1599-1666] produziram o “Sapienta Sinica” (que continha partes do
“Lunyu” e do “Daxue”) através dos manuscritos deixados por Ricci [Rule, 1972].
O trabalho foi impresso na China e circulou entre os missionários, mas acabou
não sendo publicado na Europa. Todavia, em 1668, Intorcetta foi escolhido como
Procurador da missão, com o intuito de divulgar as ações jesuítas nas cortes
europeias. Neste período, o missionário aproveita sua viagem para aplicar os
toques finais na tradução do “Zhongyong”, que foi impresso em Goa em 1669 com o
título de “Sinarum Scientia Politico-Moralis” (que contou com a participação e
revisão de dezesseis jesuítas, incluindo Couplet, Herdtrich e de Rougemont). O
trabalho de Intorcetta não teve uma grande circulação na Europa, mas foi
republicado na França pelo bibliotecário real Melchisédech Thévenot [1620-1692]
como parte de seu livro “Relations de divers voyages curieux”, desta forma se
tornando a primeira tradução de uma obra chinesa a ser publicada na Europa
[Rule, 1972].
Embora o
“Sinarum Scientia Politico-Moralis” não tenha feito grande sucesso na Europa, a
sua produção reuniu o time de tradução que passaria a trabalhar no resto das
obras de Confúcio, e que acabaria por culminar no “Confucius Sinarum
Philosophus”. Em 1680, o escolhido para representar a missão jesuíta na Europa
é Couplet, que durante nove anos viajou pelo continente, passando pelos Países
Baixos até França, dali para a Itália, Espanha, Portugal e Inglaterra, tentando
conseguir doações das cortes e voluntários da Companhia que o acompanhassem de
volta para a Ásia. Enquanto esteve na França, mostrou seus manuscritos para
Thévenot, que manifestou interesse na publicação do “Sinarum Philosophus”.
Depois de uma conversa com o Imperador Luís XIV [1638-1715] e um pedido formal
enviado para Roma, fica acertada a publicação da obra em Paris. Os manuscritos
são transportados da Itália para a França e em 1687 Couplet começa a trabalhar
na edição final da obra. No mesmo ano, o livro recebe a permissão do Censor
Real da França para ser publicado. Couplet dedica o prefácio à Luís XIV, como
forma de gratidão pelo apoio do Rei, tanto na publicação e impressão do livro,
quanto com a ajuda financeira enviada para a missão da China [Brockey, 2007].
A recepção do Confucius Sinarum Philosophus na
Europa
A tradução
jesuíta dos clássicos de Confúcio, principalmente o “Lunyu”, fez bastante
sucesso na Europa do século XVII, com publicações em diversas línguas além do
latim, como francês, alemão e o inglês. Depois do sucesso do “Confucius Sinarum
Philosophus”, os responsáveis pela publicação da obra (Horthemels) lançaram uma
versão reduzida e mais barata, intitulada “Lettre sur la Morale de Confucius,
Philosophe de la Chine”, provavelmente editada e traduzida pelo padre católico
Simon Foucher (1644-1696). O livro possuía vinte e nove páginas, divididas em
prefácio e partes do “Daxue”, “Zhongyong” e “Lunyu”, além de um epílogo. No
prefácio, Foucher ressalta a natureza prática da sabedoria chinesa e como ela é
compatível com a cristandade: “Nós podemos ver em Confúcio um esboço da
cristandade e um resumo de tudo o que os filósofos reconheceram como o mais
adequado em questões de moral” [Meynard, 2015].
A
publicação de Foucher foi apenas um exemplo dentre várias outras que se
espalharam pela Europa após o lançamento da obra. Em Amsterdam, Louis Couisin
[1627-1707] foi provavelmente o autor de uma versão um pouco maior, também em
francês, de 130 páginas chamada “La Morale de Confucius” em 1688. Em 1691 uma
tradução em inglês do trabalho citado anteriormente foi publicada na
Inglaterra, intitulada “The Morals of Confucius, a Chinese Philosopher”.
Meynard atribui ao “Sinarum Philosophus” e suas muitas abreviações a inspiração
de figuras famosas como Gottfried Leibniz [1646-1716], Pierre Bayle [1647-1706]
e Voltaire [1694-1778], enquanto o filósofo alemão Georg Bernhard Bilfinger
[1693-1750] publicara um tratado sobre a moralidade e a política baseado no
pensamento confuciano [Meynard, 2015].
Toda a
publicidade e evidência de Confúcio na Europa era benéfica para a Igreja, que
sempre cuidou da imagem pública da missão da China, com a publicação de cartas
cuidadosamente selecionadas e editadas que contassem as descobertas e o
dia-a-dia dos missionários, além, é claro, de seus feitos de conversão no distante
Império da China. O motivo destas publicações era não só despertar a
curiosidade e o desejo de auxiliar nas missões aos jovens missionários na
Europa, mas também de angariar fundos e doações das coroas europeias.
O suposto monoteísmo de Confúcio
Uma das
bases mais importantes da interpretação jesuíta do confucionismo era de que na
China antiga, antes mesmo de Confúcio, existia uma religião monoteísta, que na
visão dos jesuítas, possuía poucos erros de fé e adorava e temia o “paraíso”
(tian), que segundo a descrição de muitos filósofos (incluindo Confúcio)
possuía muitos paralelos com o Deus cristão. Essa era uma visão que já existia
antes mesmo da escrita do “Sinarum Philosophus”, e começou com os estudos das
obras de Confúcio por jesuítas como Matteo Ricci e Nicolas Trigault
[1577-1628], que escreve, com o auxílio dos diários de Ricci em 1621 a sua obra
“De Christiana expeditione apud sinas”, onde afirma que: “os chineses, desde
seu princípio, adoravam a um supremo Deus, que eles chamavam Rei do Céu, ou com
outro nome, céu e terra” [Trigault, 1621]. Trigault afirma que estas
informações estão contidas nos anais da história chinesa e teriam sido escritas
há quatro mil anos ou mais, reforçando que os livros dos antigos filósofos
chineses (alguns até mais antigos que Confúcio) continham ótimos ensinamentos
para a virtude, escritos por homens muito sábios e que eram homenageados até
aquela época, não devendo nada a muitos filósofos do mundo Antigo europeu
[Trigault, 1621].
Os
jesuítas apontam que a chegada do budismo na China corrompeu os ensinamentos
dos antigos filósofos e fez com que esse monoteísmo fosse parcialmente
esquecido ou misturado entre as crenças budista e taoísta. Em seu estudo sobre
a figura de Confúcio, o historiador Lionel Jensen diz que ante os olhos dos
jesuítas, o filósofo apareceu como “um profeta, homem sagrado e santo (...) um
colega espiritual que pregou sozinho entre os chineses a sabedoria antiga de um
monoteísmo agora esquecido” [Jensen, 1997]. Para Jensen, foi baseado nestas
premissas que os jesuítas propuseram, na China, uma restauração do que
consideraram o “verdadeiro aprendizado” de Confúcio, que seria completado com o
cristianismo para assim trazer a prosperidade que estivera em falta na China,
principalmente se levarmos em conta o tumultuado fim da Dinastia Ming, quando a
missão jesuíta na China começou [Koo San, 2014].
No
“Confucius Sinarum Philosophus”, essa interpretação de Confúcio é afirmada
diversas vezes. Em uma das intervenções jesuítas no texto, Couplet afirma que
muitos confucianos convertidos ao cristianismo ou que teriam “honestamente
entendido e compreendido sua sacralidade, não hesitariam em afirmar que se seu
filósofo estivesse vivo hoje, ele certamente seria o primeiro a abraçar a fé
cristã” [Meynard, 2015]. Os jesuítas também julgavam que Confúcio reconhecera
as leis do paraíso, e seu autor, porque era capaz de respeitar e temer o
paraíso, como está descrito neste trecho do “Lunyu”: “Confúcio disse: um homem
sábio e honesto teme três coisas: ele teme as ordens do paraíso, grandes homens
e as palavras dos santos” [Meynard, 2015]. Depois do trecho citado, os jesuítas
acrescentam uma nota explicando que o Grande Secretário Zhang [1525-1582],
responsável pelo comentário que traduziram, conclui uma longa exposição que na
visão dos missionários seria “muito cristã”, ensinando que os temores apontados
por Confúcio poderiam ser resumidos em apenas um: honrar o paraíso e nada mais,
definido pelo termo Jiangtian eryi [Meynard, 2015].
As bênçãos
ou punições do paraíso são um tema recorrente no “Lunyu”, e vemos Confúcio
expressando ideias similares em múltiplas passagens durante o livro, como por
exemplo onde o filósofo afirma que: “Ele que peca contra o paraíso, não pode
rezar a nenhum outro espírito maior pelo perdão de seu pecado” [Meynard, 2015].
Esta sentença também é encontrada no catecismo de Ricci, o “Tianzhu Shiyi”,
para comprovar a interpretação do missionário de que Confúcio acreditaria no
Deus cristão e no poder do paraíso [Meynard, 2015]. Na versão jesuíta do “Lunyu”,
em várias instâncias os missionários interrompem o texto para contextualizar a
situação ou para informar melhor ao seu leitor europeu de contos e contextos
históricos relacionados com a China. Em um destes momentos, os jesuítas
comentam sobre um livro chamado “As Instruções de Gao Yao”, que supostamente
vivera 1600 anos antes de Confúcio e foi Ministro da Lei do semi-lendário
Imperador Shun. As instruções de Gao Yao incluem conselhos para o Imperador e
maneiras de como um governante deve se adaptar e se transformar para melhor
atender os desejos de seus súditos, levando o paraíso como exemplo e norma. Em
um dos trechos traduzidos pelos missionários, Gao Yao também comenta sobre as
bênçãos e punições do paraíso, muito antes até de Confúcio. Ele diz:
“(...) o
supremo Imperador do paraíso não tem limites. Se ele vê pessoas desonestas, ele
as pune. Se ele vê pessoas honestas, ele as abençoa. Dessa forma, como em
qualquer lugar, o Paraíso pode mandar desastres ou felicidades dependendo da
virtude do povo” [Meynard, 2015].
Dessa
forma, percebemos que a crença dos jesuítas de que na China Antiga havia uma
religião monoteísta que acreditava em uma divindade similar a sua foi
construída com as leituras e o estudo não só de Confúcio, mas de outros
filósofos, inclusive anteriores a ele, como o próprio Gao Yao.
Conclusão
No
processo de escrita de suas cartas, relatórios, traduções enviadas para a
Europa e até mesmo livros (já que mesmo as obras em chinês deveriam ter uma
cópia em latim para ser enviada aos censores da Companhia de Jesus em Goa), os
jesuítas procuraram construir uma imagem de Confúcio que afirmasse a
prerrogativa original de seu método de evangelização. O filósofo deveria ser o
pilar de uma antiga religião monoteísta perdida na China Antiga, símbolo máximo
de várias escolas de pensamento fundadas em seu nome, escolas que embora
possuíssem algumas conotações religiosas, não eram idólatras, como os budistas
e taoístas. O estudo que os jesuítas fizeram da filosofia de Confúcio e as
características próprias das escolas de pensamento confuciano, com suas diversas
academias e diferentes linhas filosóficas ajudaram a integrar de maneira
eficiente a teoria jesuíta de que o cristianismo e o confucionismo seriam
complementares.
O sinólogo
Paul Rule ressalta que os missionários eram considerados pelos chineses
estranhos e familiares ao mesmo tempo. Familiares pelo conhecimento que tinham
de Confúcio e sua filosofia e estranho por alguns de seus costumes e crenças.
Essa familiaridade atraía os letrados confucianos, curiosos pela maneira como
os estrangeiros descreviam sua religião em termos comuns aos chineses, na
crença que tinham de que seu Deus era o mesmo paraíso reverenciado e temido por
Confúcio. O cristianismo não era exposto aos chineses como um sistema
religioso, mas sim como um conjunto de valores cultivados por homens com grande
senso moral [Rule, 1972].
De certa
forma, ao escreverem o “Confucius Sinarum Philosophus”, destinado a um público
europeu, os missionários se apropriaram desta mesma estranheza e familiaridade,
porém revertendo as opções. Dessa vez, mostravam como a filosofia de Confúcio
se aproximava do cristianismo, e sua crença no paraíso o aproximava mais do
monoteísmo que da idolatria. Além disso, seus ensinamentos filosóficos eram
descritos como um conjunto de valores morais e virtudes que poderiam ser
seguidas por qualquer um, sendo esta a parte que mais ressonou entre os
filósofos europeus citados anteriormente, como Leibniz, Bayle e Voltaire.
Quando os jesuítas afirmaram que Confúcio e os outros filósofos da China Antiga
acreditavam no mesmo Deus que os cristãos, os missionários criaram a ponte que
julgavam ser necessária para encurtar as diferenças culturais entre China e a
Europa, delineando sua própria interpretação da filosofia confuciana. Mais
ainda, ao apresentar essa filosofia para a Europa de maneira direta, com a
publicação do “Sinarum Philosophus”, os jesuítas apresentaram sua própria
versão de Confúcio e do confucionismo para todo o Ocidente, uma versão que
reconhecemos até os dias atuais.
Referências
Renan
Morim Pastor, mestre e doutorando em história - UFRRJ.
Tradução
trilíngue (Original em latim, inglês e chinês) do Lunyu contida em: MEYNARD, T.
The Jesuit Reading of Confucius. The first complete
translation of the Lunyu (1687) published in the West. Leiden, Boston: Brill
2015.
Biblioteca
da Universidade Complutense de Madrid:
TRIGAULT,
Nicolas; RICCI, Matteo. Istoria de la China I Cristiana empresa hecha en ella
por la Compañia de Iesus. Sevilla: por Gabriel
Ramos Veiarano, 1621.
BROCKEY, Liam Matthew. Journey to the East: The Jesuit
Mission to China, 1579 – 1724. Cambridge, Mass.; Havard University Press, 2007.
JENSEN, L.M. Manufacturing Confucianism: Chinese
Traditions and Universal Civilization. Durham, North Carolina: Duke University
Press, 1997.
KOO SAN, Tan. Dynastic China: An Elementary History.
Malaysia: The Other Press Sdn. Bhd. 2014.
MUNGELLO, David E. The Seventeenth-Century Translation
Project of the Confucian Four Books. In: East Meets West: The Jesuits in China,
1582-1773, ed. Charles Ronan and Bonnie Oh. Chicago: Loyola University Press,
1988.
RULE. P.A. K’ung Tzu or Confucius? The Jesuit
Interpretation of Confucionism. Tese de Doutorado em Filosofia: Australian
National University. Camberra. 1972.
STANDAERT,
Nicolas. Handbook of Christianity in China (635-1800). Leiden: Brill. 2001.
Primeiramente gostaria de parabenizar você Renan Morim pelo trabalho de grande relevância para o entendimento de um filósofo tão importante como é o Confúcio. Todavia vejo que mesmo com todo uma importância no conhecimento com relação a história de filósofos chineses assim como Confúcio ainda falta muito a ser evidenciado, justamente dentro dessa lacuna que eu destaco a importância de um evento como esse para a disseminação a respeito de um povo muitas das vezes totalmente desconhecido para nós brasileiros. Nesse quesito gostaria que vc me respondesse: durante sua pesquisa foi difícil encontrar informações a respeito da vida desse filósofo? Tendo em vista que muitas obras orientais importantes ainda não são traduzidas.
ResponderExcluirAgradeço desde já. Trabalho de grande fundamentação teórica.
Ass. Ruan David Santos Almeida
Olá Ruan, muito obrigado pelo seu comentário e elogios.
ExcluirRespondendo a sua pergunta, existem sim dificuldades na procura de materiais sobre o estudo de Confúcio e sua filosofia, principalmente em português. Eu não sei se esta pesquisa teria sido possível nestes termos 15 anos atrás, sem a força que a internet possui nos dias de hoje, e isso é um ponto positivo, que pode ajudar a encorajar historiadores brasileiros que estejam interessados no estudo deste tema. Todavia, é importante ressaltar que o bom conhecimento da língua inglesa, pelo menos no momento, é indispensável para a realização de uma pesquisa como essa. Não só o volume de bibliografia em língua inglesa é muito maior do que em português, mas também a sua disponibilidade em sites e revistas acadêmicas de fácil acesso também é muito maior. A pesquisa em língua portuguesa fica refém da maioria das obras produzidas em Portugal, que não tem a mesma abrangência das obras em língua inglesa na internet, dependendo de importações e afins.
Obrigado novamente pelo comentário.
Renan Morim Pastor
Caro Renan Morim,
ResponderExcluirParabéns pelo artigo. É intrigante como o SimpOriente2019 nos trouxe para um debate do século XVII. Refiro-me a “Controvérsia dos ritos na China” pois durante minha graduação trabalhei com o autor João Rodrigues que serviu ao Visitador Valignano no Japão e residiu em Macau entre 1610-1633 e foi um ávido crítico da aculturação de Ricci ao usar os termos s Tiānzhǔ (天主) e Shàngdì (上帝) como traduções da palavra Deus, seja para converter os chineses ao Cristianismo ou para dizer que os chineses eram monoteístas. Então eis a reflexão que gostaria de repartir com você e suas leituras.
Ao que me parece, para os jesuítas e estudiosos na China, houve um primeiro momento monoteísta (talvez esteja se referindo à Nestorian Stone - Xi'an Stele), seguido de um esquecimento por conta do budismo, e um retorno por meio dos ensinos de Confúcio. Seria isso mesmo?
Se for, temos aqui o ponto de confronto direto com Rodrigues e outros jesuítas que não questionam a Nestorian Stone ou este monoteísmo primitivo, mas apresentam o confucionismo como uma vertente ora agnóstica ora panteísta, mas certamente não é monoteísta. Logo, não há um retorno, apenas mais uma forma de paganismo.
Um pouco deslocado do tema, mas a título de curiosidade, segundo Rodrigues os ideogramas foram inventados pelos chineses há mais de 3.900 anos antes de seu tempo (1622) e que isso foi apenas cem anos após a confusão das línguas na Torre de Babel. Em outras palavras, segundo a tradição cristã, ele defende que o mandarim é uma das línguas primitivas mais antigas no pós-dilúvio e criada diretamente por Deus.
Obrigado,
Joanes da Silva Rocha
Olá Joanes, obrigado pelo seu comentário.
ExcluirSobre a Estela Nestoriana (Nestorian Stone \ Steele), em nenhum momento nem os jesuítas nem os estudiosos sobre a China atrelaram a sua existência (da Estela) ao suposto monoteísmo que teria existido na época de Confúcio. A Estela foi feita pelos cristãos nestorianos em 653 d.C e descoberta apenas no século XVII, na década de 1620, quando a missão jesuíta na China já estava consolidada. A sua existência não afetou em nada os estudos e as conclusões jesuítas sobre Confúcio, pois a primeira geração de missionários que começaram este estudo, como Ricci, não sabiam de sua existência.
A teoria jesuíta sobre o suposto monoteísmo de Confúcio vem da crença de que o filósofo e seus seguidores acreditavam apenas em tian, o paraíso e não cultuavam outros deuses. A chegada do budismo na China teria introduzido os ídolos e com isso a filosofia de Confúcio teria sido deturpada pela presença dos mesmos e corrompida. Dessa forma, os missionários acreditavam que um retorno à filosofia original de Confúcio, aliada ao cristianismo poderia trazer a virtude de volta ao Império, principalmente nos momentos de crise de fins da Dinastia Ming.
Na sua edição dos diários de Ricci, o jesuíta Nicolas Trigault afirma que os chineses antigos adoravam apenas um deus supremo, o "Rei do Céu", denotando que acreditavam no monoteísmo dos chineses antigos. A Estela Nestoriana tem muito pouca influência na missão da China e sua presença apenas serviu para demonstrar aos jesuítas que outros cristãos estiveram ali antes deles, como demonstra Paul Rule.
Existem controvérsias no discurso jesuíta sobre Confúcio, a partir do momento em que os jesuítas atribuem a sua filosofia conotações religiosas e monoteístas, ao mesmo tempo que tentam focar muito mais no aspecto virtuoso e filosófico de seus ensinamentos, conforme a necessidade do discurso.
Espero ter ajudado na reflexão.
Renan Morim Pastor
Obrigado.
ExcluirMuito bom o texto, gostaria de parabenizar o autor. Me questionando sobre o desconhecimento do ocidente por muito tempo sobre a sabedoria do oriente, poderia me dizer se após a atenção que os jesuítas deram ao Confúcio, o mundo ocidental daquele período da Era moderna chegou a dar um pouco mais de atenção a filosofia oriental?
ResponderExcluirAfranio Junior de Melo Barros
Olá Afranio, obrigado pelo seu comentário e elogio!
ExcluirRespondendo a sua pergunta, sim. Depois da publicação do Confucius Sinarum Philosophus, a filosofia de Confúcio (ou a versão jesuíta dela, de uma certa forma), passou a ser conhecida na Europa e foi lida por figuras conhecidas, como Gottfried Leibniz [1646-1716], Pierre Bayle [1647-1706] e Voltaire [1694-1778], enquanto o filósofo alemão Georg Bernhard Bilfinger [1693-1750] publicara um tratado sobre a moralidade e a política baseado no pensamento confuciano [Meynard, 2015]. A Confucius Sinarum Philosophus também recebeu diversas traduções nas décadas que seguiram sua publicação em Paris, ganhando versões em francês, inglês e alemão e durante muito tempo foi a referência européia sobre a obra confuciana, pelo menos até a publicação das traduções de James Legge no século XIX.
Renan Morim Pastor