BREVE ANÁLISE
DO COTIDIANO ORIENTAL NO FILME “BOM DIA”: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA DO JAPÃO
PÓS-GUERRA
Graziele
Rodrigues de Oliveira
Fábio
Alexandre da Silva
Considerações
iniciais
Nascido da intenção de aproximar História e Cinema, neste
caso o cinema japonês, este texto tem por objetivo levantar elementos acerca do
cotidiano do Japão no período pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) a partir
do cinema enquanto fonte histórica. De acordo com Marc Ferro, o cinema intervém
na História como um agente histórico, isto é, tornando-se “ainda mais ativo
como agente de uma tomada de consciência social, com a condição de que a
sociedade não seja somente um objeto de análise a mais” (1992, p. 15).
Diante disso, foi selecionado o filme “Bom dia”, lançado em
1959 pelo cineasta nipônico Yasujiro
Ozu (cujo roteiro foi feito em coprodução com Kogo Noda), no qual a intenção é encontrar, por meio da
estética e da narrativa da obra, aspectos da vida cotidiana japonesa daquela
época. Sob essa perspectiva, estruturou-se o
artigo em duas etapas. Num primeiro momento debruça-se sobre o panorama
histórico-político-econômico do Japão no período pós-guerra, sobretudo no que
diz respeito à vida cotidiana da sociedade nipônica daquele contexto. E na
sequência analisa-se o cotidiano japonês a partir do filme de Ozu, objetivando
aproximar as áreas de História e Cinema, sendo a última tomada como fonte para
o estudo do passado.
Panorama
histórico-político-econômico do Japão pós-guerra
Antes de tecer considerações sobre a sociedade japonesa do
período iniciado após a Segunda Guerra, é mister pontuar brevemente sobre a
economia e a política japonesa do pré-guerra. Aliado a Itália e Alemanha – as
chamadas Potências do Eixo –, o Japão trazia como motivações de guerra o fato
de se sentir insatisfeito com a economia ocidental, sobretudo a estadunidense,
que desde o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) já controlava de modo
eminente a economia global (incluindo nações do Oriente). Segundo Eric
Hobsbawm:
“A
indústria da seda japonesa triplicara sua produção em quinze anos para
abastecer o vasto mercado americano de meias de seda, que então desapareceu
temporariamente – o mesmo acontecendo com o mercado para os 90% de seda do
Japão que iam para os EUA. Enquanto isso, o preço de outro grande produto primário
da produção agrícola japonesa, o arroz, também despencou, como o fez em todas
as grandes zonas produtoras de arroz do Sul e Leste da Ásia. Uma vez que o
preço do trigo despencou ainda mais que o do arroz, ficando mais barato que
este, diz-se que muitos orientais passaram de um para outro”. (1995, p. 78)
Além
disso, os Estados Unidos haviam instituído um embargo ao comércio japonês, o
que determinou em grande medida a decisão do Japão de entrar na guerra. Vale
lembrar que nesse período o Japão já possuía uma
força militar consideravelmente potente e, somado a isso, uma industrialização
crescente, embora
“a economia ainda fosse bastante modesta – 2,5% da produção mundial no fim da
década de 1920 –, sem dúvida achava que merecia uma fatia maior do bolo do
Extremo Oriente do que as potências imperiais brancas lhe concediam” (HOBSBAWM,
1995, p. 36). Para além desses fatores, os japoneses tinham consciência de sua
vulnerabilidade econômica, se comparada às grandes potências ocidentais, já que
não havia recursos naturais suficientes para o desenvolvimento de sua economia
aos moldes modernos. Então “um regime liberal moderado deu lugar a um
nacionalista-militarista em 1930-1” (HOBSBAWM, 1995, p. 93).
Em termos
ideológicos, convém ressaltar que o ideal de supremacia racial, tão arraigado
na Alemanha e na Itália, também se fez presente de forma equivalente na
sociedade japonesa. Para Hobsbawm, “Os japoneses não perdiam para ninguém em
sua convicção de superioridade racial e da necessidade de pureza racial, em sua
crença nas virtudes militares de auto-sacrifício, obediência absoluta a ordens,
abnegação e estoicismo” (1995, p. 108), ao passo que se o nazismo tivesse
ocorrido no Japão Feudal, “Todo samurai teria endossado o lema das SS de Hitler
(Meine Ehre ist Treue, mais bem traduzido como ‘Honra significa subordinação
cega’)” (1995, p. 108, grifo do autor).
Passada a
guerra, com a economia e a sociedade devastadas, o Japão inicia seu processo de
recuperação social ainda em 1945. Sua restruturação perpassa sobretudo pela
expansão da indústria. Em números, “os camponeses foram reduzidos de 52,4% da
população em 1947 a 9% em 1985, isto é, entre a época em que um jovem soldado
voltou das batalhas da Segunda Guerra Mundial e aquela em que se aposentou de
sua posterior carreira civil” (HOBSBAWM, 1995, p. 227), o que demonstra uma
transformação não apenas no plano econômico como também no cotidiano nipônico –
modificado pela vida industrial.
Cabe
sublinhar que com a rendição japonesa na guerra, os EUA assistiram financeiramente
o Japão em sua recuperação econômica, política e social (sob comando do General
MacArthur). A intenção norte-americana é oriunda do medo do comunismo penetrar
no Japão, já que se espalhava rapidamente pelo leste euroasiático (GUEDES,
2010). Nesse processo de recuperação houve mudanças importantes gestadas na
cultura e na política japonesa, dentre as quais se destacam a alteração da
Constituição Imperial, “acrescida de elementos democráticos que baniam, por
exemplo, o poder político do imperador, tornando-o apenas simbólico” (GUEDES,
2010, p. 8) e a desmilitarização do país (determinada pelo artigo nono da
Constituição japonesa de 1946). Tempos depois o Japão se torna aliado central
estadunidense no combate ao avanço do comunismo na Ásia.
No plano
cultural, Jun Eto (1976 apud GUEDES, 2010) comenta que no pós-guerra o povo
japonês sofre transformações contundentes em sua maneira de pensar e agir,
levando ao crescimento do individualismo e do consumismo. Houve, portanto,
certa rejeição de vários aspectos da tradição japonesa e a incorporação do
novo, sobretudo daquilo que chegava do Ocidente.
“Nesse
ínterim, ícones como a família imperial são um dos poucos expoentes que se
mantém inabalável; a sociedade japonesa aceita muito rápido uma nova
ocidentalização que se reflete mais como uma americanização [...] de hábitos e
costumes, e em um grau bem mais amplo daquele ocorrido no século XIX, na
Restauração Meiji. Essa predisposição dura no país por algum tempo, e assim,
sem muito discernimento [...] acontecem exageros e falta de critérios para
distinguir ideias boas das questionáveis nessa importação e imitação das coisas
americanas. Um forte exemplo desse momento é a inclusão de palavras inglesas no
linguajar cotidiano.” (GUEDES, 2010, p. 25).
Nessa mesma direção, Melo e Cordaro nos lembram dos efeitos dessa
“americanização” da cultura nipônica, levando à valorização do “trabalho duro”
para alcançar objetivos e sonhos. Assim, “Um garoto que, contra todas as
expectativas, obtém sucesso e transpõe os obstáculos é um assunto recorrente em
mangás até hoje” (2016, p. 3). Essas mudanças vão reverberar no cotidiano
japonês nos anos seguintes, sobre o qual serão centralizadas as nossas análises
a partir do filme “Bom dia”.
Hipervalorização
do cotidiano na estética e na narrativa do filme “Bom dia” (1959)
Fonte: Filme “Bom dia” (1959)
O filme “Bom dia”, de Yasujiro Ozu, tem como primeira cena
um plano geral de pequenas casas atrás de uma torre de energia elétrica. A
torre denota o avanço tecnológico do Japão, pois mesmo em pequenas comunidades
quase rurais como é o caso do bairro do filme, a tecnologia está presente nas
residências do Japão na década de 1950.
Há no filme duas ambiências fundamentais que introjetam o
espectador na trama. Primeiramente a câmera capta o conjunto de casas fazendo
referência ao estilo suburbano do bairro, como as roupas no varal, as cercas
brancas simétricas e baixinhas e as casas próximas umas das outras.
Fonte: Filme “Bom dia” (1959)
Posteriormente essa câmera capta a rotina das famílias de
modo bastante íntimo, com enquadramentos de plano médio cujos personagens se
localizam sempre próximos uns dos outros, como se pode observar na figura a
seguir.
Figura
3: Os personagens
centralizados e as formas geométricas na fotografia fílmica
Fonte: Filme “Bom dia” (1959)
Essa introjeção da câmera no ambiente sem estabelecer
hierarquia entre os personagens e os objetos, ou seja, todos estão dispostos na
diegese – uma “[...] instância representada do filme, ou seja, o conjunto de
denotação fílmica: a própria narrativa, [...] as personagens, a paisagem, os
acontecimentos e outros elementos narrativos, porquanto sejam considerados em
seu estado denotado” (METZ apud AUMONT, 2003, p. 78). Em outras palavras, a
diegese é um pseudomundo fictício apresentado por meio do cinema.
Desse modo, forma-se no filme uma composição harmônica, como
o xadrez das cortinas e roupas dos personagens, as formas geométricas das
portas e janelas, a paleta de cores quentes como o vermelho, marrom, preto,
cinza, os personagens no centro da fotografia fílmica etc.
Posto isso, no primeiro quadro há um par de botas de
borracha atrás da personagem denotando o clima chuvoso do Japão e o aspecto
rural da comunidade. Carregado de detalhes e objetos cênicos, o filme imprime o
cotidiano japonês de maneira bastante sensorial.
Assim, há uma duplicidade de destaque em que se coloca
personagens e ambiente sem hierarquia de significação, isto é, a representação
do cotidiano no filme se vale não apenas dos diálogos íntimos e dos problemas
aparentemente banais cujos personagens estão envolvidos, como as fofocas, o
cardápio das refeições, mas também da “mise-en-scène” (expressão francesa usada
para designar todos os elementos que aparecem na cena, desde a cenografia,
personagens, iluminação, até a composição destes elementos na cena), composta
por uma disposição de objetos pela qual se busca a perfeição e a combinação:
“[...] Outra crítica feita a Ozu é de que seus filmes seriam
irreais: cenários muito arrumados, composições bonitas demais. Para aqueles que
só acreditam num realismo de “boca do lixo”, isto pode ser verdade: não se vêem
favelas ou malandros que corrompem pessoas inocentes nos filmes de Ozu.
Trata-se de um tipo diferente de realismo, que acredito muito superior (ZEMAN,
1990 apud LOPES, 2010, p.125)”.
É nesta estética narrativa na qual se sobressaem os objetos
dispostos em cena que é possível experimentar um recorte do cotidiano japonês.
A simetria das janelas, dos desenhos geométricos das cortinas e dos lençóis
contribui para uma experiência sensorial do estilo e condições de vida do Japão
dos anos 1950.
Fonte: Filme “Bom dia” (1959), de Yasujiro Ozu
O enredo da obra é sobre uma pequena comunidade japonesa
onde famílias trocam fofocas entre si. A partir das fofocas típicas da vida
interiorana começam os conflitos da trama. Em resumo o filme conta a história
de dois garotos (Isamu Hayashi e Minoru Hayashi) que fazem voto de silêncio a
fim de reivindicar de seus pais a compra de um televisor. O voto de silêncio
toma uma dimensão conflituosa na vizinhança, pois os garotos param de
cumprimentá-la. Com pequenas ações do cotidiano o filme faz emergir o contexto
socioeconômico de um Japão pós-guerra que já se destacava economicamente
através do consumo de bens e produtos eletrônicos, como o já mencionado
televisor e também a compra de uma lavadora de roupas que chama a atenção das
demais donas de casa da comunidade.
Ao representar o cotidiano japonês, o contexto
histórico-econômico é “experimentado”, isto é, não há menções diretas sobre as
questões sócio-políticas do Japão, como a gestão do governo ou críticas
sociais, mas de acordo com Seigworth (2000 apud Vieira Jr., 2014), a
representação do cotidiano é caracterizada pelo excesso, antes de ser uma
representação da “banalidade”, e é dessa maneira que o cinema de Ozu imprime o
cotidiano nipônico: a partir do excesso mas sem banalizá-lo. Há uma produção
intensa dos costumes, da moral e da ética dos personagens, o que provoca a
experimentação daquela microcultura e, consequentemente, é possível perceber os
fatos históricos e a situação socioeconômica presentes na subjetividade dos
personagens: “Daí um excesso intimamente ligado ao sujeito que vivencia essa
dimensão do corriqueiro [...] e que, no entanto, não deriva nem de um corpo ou
de um mundo em isolamento, mas da banalidade dos movimentos de seu próprio
processo.” (VIEIRA JR., 2014, p. 111).
Nesse sentido, há no cinema de Ozu uma estética que convida
o espectador a participar da intimidade da cultura japonesa dos anos 1950 e ao
mesmo tempo também é microcosmo para se pensar a cultura oriental e suas
peculiaridades, como nos almoços e jantares em família centralizados por meio
de diálogos íntimos, as roupas no varal que remetem a um simbólico particular
da rotina familiar, os valores tradicionais representados pelo modo de sentar,
comer e vestir e, principalmente, a partir da subjetividade dos personagens,
como o respeito dos jovens com os mais velhos, as relações afetivas, a
valorização do casamento e o incentivo da formação da família nuclear (LOPES,
2010).
A partir do cinema de Ozu é possível entender as questões
históricas na imersão de uma narrativa de pequenos acontecimentos ou ainda em
situações de quase “não-acontecimento”, a experimentação de um cotidiano que
não se encontra nem no banal nem no espetacular, mas faz emergir discussões e
reflexões da própria história, como a economia na representação dos personagens
e a sua rotina de consumo, o uso do dinheiro na compra e venda de produtos
entre vizinhos, a incorporação da língua inglesa, a disposição da
“mise-en-scène” quando os objetos significam a própria relação dos sujeitos com
as coisas, a exemplo do guarda-chuva sempre ao alcance imediato para a saída da
porta, a fileira de calçados na porta para facilitar a troca etc.
Observa-se ainda nas narrativas de Ozu (aqui não só no filme
“Bom dia” (1959) mas também em “A rotina tem seu encanto” (1962), “Dia de Outono”
(1960) e “Pai e Filha” (1949)) a representação minuciosa da família tradicional
japonesa e de seus valores morais. Porém, mais do que questionar estes valores
familiares tradicionais, o autor apresenta uma realidade que não é nem do
consumismo, nem das classes altas e tampouco das misérias sociais do Japão
pós-guerra, como também “não se trata tanto de mitificar a família
convencional, mas encenar as classes médias (os nem muito pobres nem muito
ricos), sem idealizar seus valores, mas sem lhes tirar uma possibilidade de
beleza encantamento” (LOPES, 2010, p. 244).
Outro aspecto a ser analisado no filme são as questões
econômicas presentes na narrativa. A trama começa a partir da desconfiança de
uma moradora, que depois de pagar seus impostos para a vizinha (líder da
comunidade) descobre que seu dinheiro não foi enviado ao governo. A fofoca se
espalha pela vizinhança e abala as relações na comunidade. Nota-se, assim, as
insurgências das relações capitalistas de um Japão que transitava entre o rural
e o urbano. Nesta direção, buscando exemplificar e correlacionar parte do
contexto socioeconômico do Japão pós-guerra com a construção estético-narrativa
do filme “Bom dia”, trazemos as seguintes cenas:
Duas vizinhas (Sra. Okubo e Sra. Haraguchi) conversam sobre
os impostos:
“Sra. Haraguchi: –
Ouvi uma coisa engraçada. Nossos impostos não foram pagos.
Sra. Okubo: – Mas nós pagamos.
Sra. Haraguchi: – Sim, mas a líder disse... que não pagamos.
Sra. Okubo: – Mas eu paguei.
Sra. Haraguchi: – Eu também. Isso está estranho. Será
que...?
Sra. Okubo: O quê?
Sra. Haraguchi: Ela comprou uma máquina de lavar...
Sra. Okubo: Sim, mas a prestações.
Sra. Haraguchi: Mas não é estranho sobre nossas dívidas?!”
(BOM dia, 1959, 4 ’30’’).
Partindo de uma perspectiva histórica, o diálogo das
vizinhas significa um início das remodelações sociais de um Japão que estava
com a economia sendo intensificada a partir das inovações tecnológicas (a
exemplo da compra da máquina de lavar) e do próprio contexto capitalista que
envolve a individualidade nas transações econômicas. Em outra cena, Hayashi,
mãe de Isamu e Minoru, serve o jantar sob o seguinte diálogo:
“Minoru: – O que é isso? Peixe frito e missoshiru de novo? (Diz em tom nervoso).
Hayashi: – Não reclame! Você também, Isamu?
Isamu: – Eu não (e come o arroz com certa vontade. Logo em
seguida, Setsuko (tia dos garotos) e o pai dos garotos chegam do trabalho.).
Hayashi: – Chegou?
Setsuko: – Cheguei.
Hayashi: – Chegaram juntos? Setsuko: Sim, da Estação.
Isamu: – Estamos comendo peixe frito de novo!
Hayashi: – Você disse que não ia reclamar.
Isamu: A sopa de carne de porco é boa.
Minoru: Não todos os dias!”
(BOM dia, 1959, 17’29’’).
Fonte: Filme “Bom dia” (1959)
Ainda que não seja um filme histórico ou uma biografia como
documento para ler a história, os planos inteiros e planos médios demorados
sobre os corpos e suas movimentações na diegese do filme, a sensorialidade que
propõe a hipervalorização do cotidiano e a introjeção do espectador na cena,
que a princípio pode parecer tediosa, talvez tornem esse tipo de obra
cinematográfica um elemento auxiliar na narrativa histórica, de modo a permitir
certo distanciamento da “espetacularização da história” mencionada por Marc
Ferro (1992), pois
“Trata-se de um cinema que convida a observar, seja de perto
[...] numa forma de ver pela distância para perceber os diversos espaços-tempos
cotidianos de maneira não-hierarquizada, dando ao olhar o livre-arbítrio de sua
flutuação dentro do quadro. Em ambos os casos, a observação se faz sempre
minuciosa, demorada, como se tais filmes tentassem, assim, capturar a atmosfera
que impregna suas imagens. (VIEIRA JR., 2014, p. 1231)”.
Se a intenção do cineasta é captar o cotidiano, menor será a
chance de que as questões histórico-econômicas se escorreguem para a
ficcionalidade intencional, visto que elas surgem na narrativa fílmica quase
que “acidentalmente”, isto é, surgem porque nenhuma produção artística ou
científica escapa do espaço-tempo que foi produzida. Assim, numa investigação
de perspectiva histórica (como é o caso deste artigo) é possível ler a obra
localizando, mesmo que a partir de pequenas ações cotidianas, o contexto tanto
da obra quanto do Japão e o espaço de produção enquanto representação de uma
pequena comunidade japonesa de classe média no fim da década de 1950.
Referências
Graziele Rodrigues é mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal da
Integração Latino-Americana (UNILA).
Especialista em Geopolítica e Relações Internacionais pela Rede de
Educação Claretiano. Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela União
Educacional de Cascavel (Univel-2015) e Comunicação Social – Publicidade e
Propaganda pelo Centro de Ensino Superior de Maringá (Unicesumar-2010).
Fábio Alexandre da Silva é
licenciado em história e mestrando em educação pela Unioeste/Cascavel
(2018-2019). Atua como docente desde 2014, tendo ministrado aula nas
disciplinas de História, Ensino Religioso, Sociologia, Economia e Gestão.
Filme:
BOM dia. Direção: Yasujiro Ozu. Roteiro: Yasujiro Ozu; Kogo Noda. Japão, 1959. 94 min.
Livros e artigos:
AUMONT, Jacques. Dicionário teórico e crítico de cinema.
Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas: Papirus, 2003.
FERRO, Marc. Cinema e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.
GUEDES, Bruna Benini Wanick de Almeida. O Japão do pós-guerra: a
catarse da tradição e da modernidade em Yukio Mishima. 2010. 48 f. Monografia
(graduação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2010.
Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16832/16832.PDF>.
Acesso em: 06 jun. 2019.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve
século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LOPES, Denilson. O efeito Ozu: Em busca de um outro
cotidiano. In: PAIVA,
Samuel et al. (Org.). XI Estudos de cinema e
audiovisual. São Paulo: Socine, 2010.
MELO, Teresinha Rosa de; CORDARO, Madalena Natsuko
Hashimoto. As
reminiscências da guerra no mangá e no animê. Revista Anagrama, v. 2, jul./dez.
2016. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/118021>.
Acesso em 06 jun. 2019.
VIEIRA JR., Erly. Corpo e cotidiano no cinema de fluxo
contemporâneo. Revista Contracampo, Niterói, v. 29, n. 1, 2014.
VIEIRA JR., Erly. Por uma exploração sensória e afetiva do
real: esboços sobre a dimensão háptica no cinema contemporâneo. Revista
Famecos, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 1219-1240, set./dez. 2014.
Graziele e Fábio, parabéns pelo ótimo texto. Foi uma boa abordagem dos aspectos técnicos e históricos do filme, ressaltando o caráter analítico do cinema em relação ao contexto abordado. A passagem do filme que remete às suspeitas das vizinhas sobre o uso dos impostos pagos por elas e a relação disto com o capitalismo me chamou a atenção. Vocês acham que o fato de os japoneses terem assimilado consideravelmente a dinâmica das relações capitalistas em apenas poucos anos após a Segunda Guerra reforça a crença de que o Japão deveria ter optado pela industrialização ao invés do imperialismo, quando a economia do país estava em ascensão antes do conflito armado?
ResponderExcluirRonaldo Sobreira de Lima Júnior
Olá, Ronaldo! Agradecemos sua participação!
ExcluirBoa indagação a sua. É claro que devemos levar em conta o fato de não existir o "se" na História, entretanto compreendo que a conjectura proposta me parece bastante crível, sobretudo levando em consideração a apropriação econômico-cultural nipônica mencionada por você, ocorrida imediatamente após a Guerra. Não sei dizer se o Japão deveria ter optado pela industrialização precoce, como ocorreu com a Inglaterra, França e EUA, no entanto é fato concreto que mesmo com o revés no conflito e parte de seu território totalmente devastada, a atividade industrial japonesa foi, sem sombra de dúvida, primordial não só para a reconstrução social do país como também para sua retomada econômica interna e alçada no âmbito da economia externa, de onde passou a ocupar posição de destaque e exportar um modelo de sociedade para o restante do mundo.
Esperamos ter contribuído com o debate.
Abraços,
Fábio Alexandre da Silva e Graziele Rodrigues de Oliveira
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ResponderExcluirParabéns aos autores! Excelente texto. Uma dúvida com relação à metodologia no campo Cinema e História: é preciso usar métodos de outras áreas do conhecimento para lidar com o cinema como fonte, ou a História já possui métodos próprios para lidar com o cinema como uma fonte para pesquisa?
ResponderExcluirOlá, Paulo. Agradecemos sua participação.
ExcluirO tratamento do Cinema enquanto fonte para o estudo da História segue o mesmo padrão de análise de outros documentos, levando-se em consideração sua natureza e especificidades. Quem pode auxiliar bastante na compreensão do campo História-Cinema é o historiador francês Marc Ferro. Recomenda-se o livro Cinema e História, no qual Ferro faz uma leitura da História a partir da interface do Cinema.
Abraços,
Fábio Alexandre da Silva e Graziele Rodrigues de Oliveira
Olá, caros Sr.ª Oliveira e Sr. Silva.
ResponderExcluirAchei muito instigante vosso artigo. Não é habitual encontrar produções nacionais, e em português, sobre Ozu. Ainda mais no campo da História. Estudos acerca deste cineasta, normalmente são realizados em outras áreas do conhecimento.
Dentre os trabalhos publicados no Brasil, além do artigo de Lopes, por vós utilizado, é possível recordar da tese de Michiko Okano, “Ma: Entre-Espaço da Comunicação no Japão”, da dissertação de Yukie Hori, “Os Ensaios da Dona Sombra”, e do livro organizado por Lúcia Nagib e André Parente, “Ozu. O Extraordinário Cineasta do Cotidiano”. Entretanto, cada um deles encaixa-se em campos distintos do conhecimento. Além do que, os trabalhos de Okano e de Hori não focam especificamente em Ozu. Tratam de outras questões referentes à cultura nipônica e estabelecem pontes/diálogos, entre elementos presentes na filmografia do cineasta e seus respectivos temas de estudos. Já o livro organizado por Nagib e Parente (tirante a introdução feita por esta primeira), é composto de textos originalmente escritos em francês, alemão, inglês e japonês, traduzidos para o português.
A partir da leitura dos artigos presentes em “Ozu. O Extraordinário Cineasta do Cotidiano”, é possível afirmar que nenhum deles adentra em discussões que competem aos estudos da História. O que não ocorre em vosso artigo. Visto o uso de clássicos, como Ferro e Hobsbawm, e o destaque de aspectos sociais e culturais do Japão pós-guerra, por meio da análise fílmica.
Entretanto, surgiram dúvidas. Primeiramente, por que お早よう (1959)? Outras películas da fase final de Ozu (e coloridas), igualmente retratam as mudanças que vinham ocorrendo no país, após a Guerra, e diante da “colonização” norte-americana.
A segunda questão, diz respeito ao aporte teórico. Se valer do filme, para mergulhar no contexto social e cultural do país e da época de sua produção, é suficiente em se tratando de お早よう? Vale destacar que, a filmografia de Ozu se caracteriza enquanto um cinema autoral. Portanto, a abrangência de aspectos por ela agregados e as possibilidades de problematização de seu conteúdo, são imensamente amplas. E eis aqui o termo: possibilidades de problematização. Creem vós ser possível a interdisciplinaridade, em estudos sobre cinema autoral, sem necessariamente transpassar as fronteiras (hoje líquidas), entre os variados campos do conhecimento que compõe as Ciências Humanas? Já surtiu, de vossa parte, reflexões nesse sentido?
João Antonio Machado
Olá, João Antonio. Obrigado pelas contribuições. Vejo que você levanta questões complexas, instigantes e amplas. Vamos tentar, nos limites de nossa compreensão, torná-las resolutas. Neste interesse, seguem alguns apontamentos:
Excluira) Como você bem disse, não é habitual encontrar produções nacionais sobre Ozu, sobretudo estabelecendo diálogo com a História. Outra dificuldade é quanto ao idioma. Também nos deparamos com essas barreiras e certamente por essa razão nos apoiamos em autores ocidentais, a exemplo de Ferro e Hobsbawm.
b) No tocante à escolha do filme “Bom Dia” (1959), com bastante sinceridade convém assumir que dentro daquilo que nos propomos a fazer - tecer aproximações entre a estética-narrativa da obra e os aspectos históricos, políticos, econômicos e culturais do Japão Pós-Guerra - pareceu-nos instigante, inovativo e contributivo, do ponto de vista historiográfico e literário, empreender tais aproximações. Debruçamo-nos também sobre outra película de Ozu (Dia de Outono, 1960), entretanto entendemos não se adequar aos nossos interesses investigativos. Sobre os outros filmes citados, desconhecemo-los. Cabe lembrar que o filme "Bom Dia" é colorido, embora não entendemos o emprego de cores como um fator determinante para uma seleção filmográfica.
c) Seria ingênuo supor que o uso do filme, por si só, é suficiente para dar conta de explicar o período histórico em questão. Tanto que o empregamos em nossa análise (ou tentamos) como um documento histórico auxiliar para pensar a História (não como oficial e/ou unívoco). Conforme os Annales, todo documento deve ser problematizado e questionado, e foi o que intentamos fazer ao longo do texto.
d) Como você bem mencionou, as possibilidades de problematização a partir da análise do conteúdo fílmico são profícuas e, por esta razão, pensamos ser possível o estudo interdisciplinar entre a obra escolhida e as análises sobre o período. Se há possibilidades múltiplas de análise, a interdisciplinaridade figura como uma delas e, sendo ou não o cinema de Ozu autoral (esse é um conceito polêmico no Cinema e nas Artes pelo qual não cabem, aqui, referências), acreditamos não interferir na proposta de análise interdisciplinar.
e) Não saberíamos dizer se há (ou deveria haver em pleno século XXI) fronteiras entre as áreas do conhecimento e até que ponto elas delimitam as nossas análises, conteúdos, objetos e temas, sobretudo se levarmos em consideração a existência de correlação entre elas (áreas irmãs), como é o caso das ciências humanas e sociais (essa discussão abre espaço para um outro estudo).
Esperamos ter elucidado as questões levantadas e contribuído com o debate.
Abraços,
Fábio Alexandre da Silva e Graziele Rodrigues de Oliveira
Olá, Sr. Silva.
ExcluirObrigado pela resposta. De certo modo, esclareceu alguma coisa.
Espero que os trabalhos mencionados, no texto onde foram elaboradas as questões, venham a servir como referenciais de estudo. Obviamente, caso venham a dar sequência em trabalhos sobre Ozu.
Parabenizo-os pelo texto. Tanto ele, como as respostas, estão muito bem escritos.
João Antonio Machado
Agradecemos, mais uma vez, as suas contribuições, Sr. Machado.
ExcluirAbraços,
Fábio Alexandre e Graziele Rodrigues