ARTE SOBRE MADEIRA: XILOGRAVURA
ORIENTAL E UKIYO-E
Luana Aparecida da
Silva
Lucimara de Andrade
da Silva
Período Edo
Por mais de duzentos anos, o Japão passou por guerras sangrentas, mas em
1575, o país foi unificado pelo chefe militar Toyotomi
Hideyoshi. Logo após a
unificação, Hideyoshi que era ambicioso e desejava dominar o extremo oriente,
atacou a Coréia. No entanto, seu país não estava em condições de lutar o que
resultou em um fracasso.
Após a morte de Toyotomi Hideyoshi, em 1598, houve uma série de
disputas por terras e pelo poder da nação. Isso só teve fim em 1603, com a
tomada de poder pelo comandante Tokugawa Ieyasu. Deu-se início então, a
dinastia de xoguns Tokugawa, que governaram o país com punhos de ferro até,
aproximadamente, 1868. Esse período de reinado ficou conhecido como período Edo,
devido à centralização do poder que estava na cidade Edo, hoje conhecida como
Tóquio.
O período Edo trouxe lei e ordem
para o país, impondo um sistema de classes: camponeses, artesões, comerciantes
e samurais. Nesse período, o governo de Tokugawa suprimiu o cristianismo,
fechou os portos marítimos, não era permitida a entrada de estrangeiros, bem
como era proibida a viagem de japoneses para o exterior. Dessa forma, o Japão
experimentou uma era de isolamento político-econômico, de relativa paz, de
crescimento comercial e agrícola, e de valorização das artes, como o teatro
kabuki, a pintura em madeira, entre outras.
Apesar de ser uma nação grande e
poderosa, o Japão isolou-se por muito tempo, logo, precisava modernizar-se ou
acabaria colonizado por uma potência
ocidental. Em virtude disso, o governo iniciou a construção de bases militares
modernas e enviou representantes samurais em missões diplomáticas. No entanto,
estava claro que os xoguns Tokugawa não eram os melhores líderes para a
modernização do país, portanto um novo líder foi escolhido pelos oponentes dos
xoguns, o imperador Meiji. Sendo assim, por volta de 1868, o imperador Meiji,
com apenas quatorze anos de idade, tornou-se o novo líder do Japão.
Xilogravura
Segundo Costella (1984, p. 10) “Quatro processos de impressão com tinta
marcaram e continuam a marcar a história. São eles: impressão em relevo,
impressão a entalhe, impressão plana e impressão por permeação”. O processo de
impressão em relevo é a xilogravura. Essa é uma técnica bem antiga de fazer
gravuras em relevo sobre a madeira que possibilita a reprodução da imagem sobre
o papel.
A xilogravura teria surgido na China, por volta do século VII, onde era
usada para a confecção de cartas de baralho, orações budistas e até mesmo para
a impressão de livros e dinheiro (GABRIEL, 2012). E, chegou ao Japão no século
VIII, no período Edo, tendo como função imprimir orações budistas e ilustrações
de figuras religiosas, as quais eram restritas a esfera budista, pois o custo
de sua produção em massa era alto e não havia um público receptivo e
alfabetizado para que as obras fossem comercializadas. Desse modo, a sua
finalidade até o século XVI, era somente reproduzir textos impressos e
ilustrações em linhas ou contornos pretos.
Figura 1 - Deuses familiares, xilogravura popular chinesa.
Fonte: BOWKER, John. Para entender as religiões, 1997.
Figura 2 - Felicidade, Fartura e Longevidade, xilogravura popular
chinesa.
Fonte: BOWKER, John. Para entender as religiões, 1997.
Foi no século XVII, com o surgimento do ukiyo-e que a xilogravura
japonesa ficou mais conhecida e desprendeu-se dos livros. As estampas eram vendidas de forma avulsa, uma
maneira de barateá-las. Esse movimento artístico surgiu como uma inovação na
pintura e posteriormente, se expandiu para a gravura, que passou a ser impressa
repetidas vezes, uma vez que o custo de produção era baixo.
Ukiyo-e
O movimento artístico ukiyo-e
(imagens do mundo flutuante) surgiu no século XVII e permaneceu até o século
XIX. O termo ukiyo-e que significa “mundo flutuante”, estava associado ao mundo
efêmero e triste, refletindo um país que passava por tempos de guerras e lutas
pela sobrevivência. Mas com a ascensão dos Tokugawa e a estabilização do Japão,
o sentido de ukiyo, antes relacionado com a dor, foi substituído por outro, que
era mais alegre e prazeroso (SCHLOMBS, 2009). A esse respeito Cordaro (2008, p.
8) afirma que:
“ukiyo (vocábulo formado pelos ideogramas “yo” (世) – mundo – e “uki/ushi” (憂) – infeliz, triste,
miserável, soturno, melancólico, fatigado) é substituído por ukiyo (“yo” –
mundo – e “uki” (浮) – que flutua suavemente na água
ou no ar, que singra águas, que vem à tona, ao alto, que fica alegre, leve)”.
Dessa forma, as gravuras japonesas ficam conhecidas como ukiyo-e, ou
seja, imagens do mundo flutuante, devido ao ideograma “e” (絵) que se refere à imagem, estampa, pintura. As temáticas dessas estampas
retratavam os costumes, a moda, o nodo cotidiano da população que vivia em Edo
e queria apenas desfrutar o hoje. Logo, foram temas do ukiyo-e: as mulheres
bonitas, como as gueixas e as filhas dos comerciantes, os lutadores de sumô e os personagens do teatro kabuki.
Mais tarde, as paisagens ganharam destaque, com a publicação da obra “36
vistas do monte Fuji”, de Katsushika Hokusai e da série “As 53 vilas da estrada Tokaido”,
de Ando Hiroshige.
Figura 3 - Maiko.
Fonte: Disponível em: <https://ukiyo-e.org/image/jaodb/Shinsui_Ito-No_Series-Maiko-00037966-050703-F06>. Acesso em: 09 de junho de 2019.
Figura 4 - Grand Champions Chiyonofuji vs. Futahaguro.
Fonte:
Disponível em: <https://ukiyo-e.org/image/artelino/30139g1>. Acesso em:
09 de junho de 2019.
Inicialmente, as xilogravuras do ukiyo-e eram conhecidas como
“sumizuri-e”, pois eram monocromáticas. A impressão colorida surgiu de forma
gradual. Primeiramente, surgiram às gravuras pintadas à mão, com tons
alaranjados e posteriormente, com tonalidades de vermelho, azul e verde. Alguns
anos depois, os impressores passaram a imprimir as cores, mas eram feitas por
etapas: “benizuri-e” (pintura impressa carmesim) e “urushi-e” (pintura
laqueada). Foi em meados do século XVIII, com o aprimoramento da técnica, que
os artistas desenvolveram o processo policromático “nishiki-e” (estampa multicolorida), trazendo para o ukiyo-e
cores vivas, delineadas e marcantes.
As estampas multicoloridas tornaram-se uma referência
da cidade Edo para senhores das províncias obrigados a servir na cidade. Logo,
não era surpresa o número de gravuras coloridas com temáticas que exaltavam à
cidade, seus locais mais famosos, sua fauna e flora. Contudo, houve uma
proibição no uso das cores, o que corroborou para a impressão de estampas,
principalmente as de paisagens, em vários tons de azul-da-Prússia.
Artistas
do ukiyo-e
O auge do ukiyo-e foi marcado por obras produzidas em meados do século
XIII, por Torii Kiyonaga, Kitagawa Utamaro e Toshusai Sharaku,
que retravavam a beleza e o teatro. O sucesso da xilogravura deste movimento
continuou no século seguinte, mas com as estampas de paisagens, criadas por
Katsushika Hokusai e Ando Hiroshige.
Em 1830, Katsushika Hokusai
publicou a série “36 vistas do monte Fuji”, que inclui a famosa obra “A grande
onda de Kanagawa”, considerada uma das mais populares e aclamadas peças de arte
japonesa, e a obra “Fuji vermelho”, representando as encostas do monte durante
o por do sol. Essas obras foram criadas devido as suas viagens e ao interesse
pessoal pelo Monte Fuji. Desse modo, representa o monte em diversas situações:
diferentes estações, distância, condições de tempo, assim por diante.
Figura 5 – A grande onda de Kanagawa.
Fonte: Disponível em: <
http://compila.blogspot.com/2012/09/trinta-e-seis-vistas-do-monte-fuji.html>.
Acesso em: 11 de junho de 2019.
Figura 6 – Fuji vermelho.
Fonte: Disponível em: < http://compila.blogspot.com/2012/09/trinta-e-seis-vistas-do-monte-fuji.html>.
Acesso em: 11 de junho de 2019.
Por volta de 1832 e 1834, Ando Hiroshige publicou sua série “As 53 vilas
da estrada Tokaido”. Tokaido era uma das rotas de Edo e ao longo desta estrada
encontravam-se alojamentos, estábulos e comida para os viajantes. Hiroshige a
percorreu em 1832, quando integrou a delegação oficial que transportava cavalos
a corte imperial. Ao longo de sua jornada, o artista surpreendeu-se com as
paisagens, criando vários esboços. Assim, quando retornou de sua viagem,
converteu essas paisagens do cotidiano em cenas líricas, retratando-as por meio
de perspectivas incomuns e com atmosferas distintas.
De acordo com Schlombs (2009, p. 37-38), Hiroshige gostava da
“perspectiva tradicionalmente chinesa de vista aérea, e da representação
bidimensional ao estilo de pintura japonês [...] Ao documentar sua visão de
mundo, a sua criatividade fundia elementos díspares de uma forma eficaz”.
Figura 7 – A vila de Hakone.
Fonte: Disponível em: <
http://www.jinsai.org/pt-BR/mundo-do-belo/obras-de-arte/ukiyo-e/>. Acesso
em: 11 de junho de 2019.
Figura 8 – Shinagawa – O nascer do sol.
Fonte: Disponível em: <
http://www.jinsai.org/pt-BR/mundo-do-belo/obras-de-arte/ukiyo-e/>. Acesso
em: 11 de junho de 2019.
As gravuras com temas de paisagens elevaram o ukiyo-e a outro nível, por
meio das obras de Hokusai, com suas cores arrojadas, lisas e abstratas, e de
Hiroshige, com suas estampas realistas, sutilmente coloridas e atmosféricas.
Ambos são considerados os maiores representantes desse tema e influenciaram
muitos outros artistas.
Considerações finais
Este trabalho visou apresentar um estudo acerca da xilogravura oriental
e do movimento artístico ukiyo-e, abordando desde seu surgimento até sua
ascensão. Ambos foram amplamente adotados no período Edo (1603-1868), quando o
Japão passou por uma era de isolamento, de relativa paz,
desenvolvimento agrícola e comercial, e de valorização das artes, entre elas a
pintura na madeira, foco deste artigo.
No início, a xilogravura japonesa era usada para a impressão de orações
budistas e figuras religiosas, sendo restrita a esfera budista. Somente com o
surgimento do ukiyo-e no século XVII, que ficou mais conhecida, abordando novas
temáticas e sendo vendida de forma avulsa. As estampas representavam a
sociedade da época, os costumes, lendas populares, cenas históricas, as
paisagens, entre outros temas.
Dessa forma, as gravuras tornaram-se um elemento popular no universo
cultural do Japão e o ukiyo-e foi fundamental para formação da consciência
ocidental acerca da arte japonesa, principalmente a partir das obras de Hokusai
e Hiroshige. Esse movimento foi de grande influência para alguns pintores do
impressionismo, como Edgar Degas, Édouard Manet e Claude Monet, e do pós-impressionismo,
como Van Gogh que incorporou em seus trabalhos alguns elementos estilísticos de
Hiroshige, como as cores brilhantes, os detalhes naturais e as perspectivas
incomuns.
Referências
Luana Aparecida da Silva, mestranda do Programa de pós-graduação em
Estudos da linguagem (PPGEL), da Universidade estadual de Londrina.
Lucimara de Andrade da Silva, mestranda do Programa de pós-graduação em
História social (PPGHS), da Universidade estadual de Londrina.
CORDARO, Madalena Hashimoto. Ukiyo-e, arte de representação de
entretenimentos de citadinos do período Edo (1603-1868). In: CORDARO, Madalena
Hashimoto (Org.). Ukiyo-e: pinturas do mundo flutuante. Instituto Moreira
Salles, 2008, p. 7-21.
COSTELLA, Antonio. Introdução à gravura e história da xilografia. Campos
do Jordão, SP: Editora Mantiqueira, 1984.
GABRIEL, Ademir Lopes. Xilogravura como expressão da cultura popular. Trabalho de conclusão de
curso (Graduação em artes visuais). Posse Goiás, 2012. Disponível em: <
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/5690/1/2012_AdemirLopesGabriel.pdf>.
Acesso em: 09 de junho de 2019.
SCHLOMBS, Adele. Hiroshige: 1797-1858. Lisboa: Taschen, 2009.
Parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirGostaria de saber se vocês considerariam utilizar as xilogravuras como um instrumento pedagógico para proporcionar aos alunos um contato mais aprofundado com aspectos sociais do Oriente e como o professor poderia fazer uso dessas artes para fornecer aos estudantes fontes diferentes, além do livro didático, para o aprendizado da História Oriental?
Obrigada.
Rafaela Silva dos Santos.
Boa noite, Rafaela.
ExcluirAgradecemos sua participação.
A xilogravura é suporte interdisciplinar que oferece informações e dados que possibilitam levar à escola uma reflexão do contexto histórico, social, político e econômico, neste caso do Japão. Logo determinados períodos, como a era Edo, são passiveis de serem estudos por meio da xilogravura, bem como as figuras históricas do próprio período que foram retratadas através das gravuras, como os xoguns, os samurais, as gueixas, entre outros.
No final do século XIX o gênero sofreu forte declínio. Gostaria de saber, como é a produção atualmente do ukiyo-e? E quais as fontes históricas podemos utilizar para ter acesso aos ukiyo-e?
ResponderExcluirJoyce Karolinne de Siqueira Rosa
Boa noite, Joyce. Agradecemos sua participação.
ExcluirQuando o Japão tornou-se aberto às importações do ocidente o ukiyo-e entrou em declínio e sua produção sai de cena. Apesar disso, muitas gravuras estão expostas em museus da Europa e dos Estados Unidos, representando a cultura japonesa no exterior.
Atualmente, a produção do ukiyo-e está bem restrita, mas podemos encontrar artistas que ainda trabalham essas estampas, como é o caso de David Bull, xilógrafo que se dedica a reimpressão de ukiyo-e dos períodos Edo e Meiji e a criação de obras originais.
Como fonte histórica, recomendo o trabalho de Fernando Saiki, especialista no estudo da xilogravura, especificamente a japonesa. Também é possível encontrar informações acerca da xilogravura oriental na Universidade de arte de Tóquio.
Parabéns pelo trabalho, muito elucidante sobre essa arte japonesa.
ResponderExcluirA minha primeira dúvida refere-se ao que você mencionou, sobre o período em que as cores foram proibidas e eles passaram a fazer impressão de estampas, em vários tons de azul-da-Prússia. Por que essa proibição ocorreu?
A minha segunda dúvida é sobre o consumo dessas obras, somente os nobres tinham acesso?
Obrigada pela atenção.
Fernanda Pereira dos Santos.
Olá, Fernanda. Agradecemos sua participação.
ExcluirA cor azul da Prússia começou a ser utilizada na gravura por volta de 1820, quando se proibiu a utilização de cores, como o vermelho, devido sua relação com luxuria e erotismo velado aos citadinos.
Os comerciantes financiavam as criações artísticas e os nobres consumiam. Por isso, é comum nas gravuras a representação da classe dominante e de seus costumes.
Parabens pelo trabalho.
ResponderExcluirPrimeiramente, gostaria de saber por que houve a proibição do uso de algumas cores, gerando a predominância do azul-da-prússia.
Em segundo lugar, a minha dúvida recai a respeito da ligação da imprensa de tipos móveis com a xilogravura. Essa ligação existe? Uuma é precursora/influencia da outra?
Sofia Alves Cândido da Silva
Olá, Sofia.
ExcluirAgradecemos sua participação.
A cor azul da Prússia começou a ser utilizada na gravura por volta de 1820, quando se proibiu a utilização de cores, como o vermelho, devido a sua relação com luxuria e erotismo velado aos citadinos.
Em resposta a sua segunda pergunta, sim, existe uma relação, a técnica da xilogravura é usada pelos próprios xilógrafos em parceria com outros artistas na produção de móveis talhados na madeira. E a partir dessa criação temos o encontro do tradicional com o contemporâneo.
Parabéns, Luana e Lucimara!
ResponderExcluirTema lindíssimo, que remete a uma cultura às vezes pouco trabalhada em sala de aula.
Gostaria de saber como podemos relacionar a gravura ukiyo-e com a xilogravura da literatura de cordel?
Boa noite, Maria Eduarda.
ExcluirAgradecemos sua participação.
A xilogravura firmou-se no ocidente durante a idade média, sendo revolucionada no século XVIII, com a chegada das estampas do ukiyo-e à Europa. Foi por meio dos missionários portugueses que a xilogravura chegou ao Brasil, desenvolvendo-se na literatura de cordel, onde passou a retratar o imaginário da cultura popular.
Parabéns, Luana e Lucimara!
ResponderExcluirTema lindíssimo, que remete a uma cultura às vezes pouco trabalhada em sala de aula.
Gostaria de saber como podemos relacionar a gravura ukiyo-e com a xilogravura da literatura de cordel?
Maria Eduarda Carrenho
Boa noite, Maria Eduarda.
ExcluirAgradecemos sua participação.
A xilogravura firmou-se no ocidente durante a idade média, sendo revolucionada no século XVIII, com a chegada das estampas do ukiyo-e à Europa. Foi por meio dos missionários portugueses que a xilogravura chegou ao Brasil, desenvolvendo-se na literatura de cordel, onde passou a retratar o imaginário da cultura popular.