A
RELEVÂNCIA CULTURAL DE OKAKURA KAKUZO NAS RELAÇÕES DO JAPÃO E OCIDENTE
Leonardo
Souza Alves
O
presente trabalho tem como objetivo compreender as relações entre os
intercâmbios artísticos no Japão e no ocidente, ressaltando os projetos
estético-ideológicos que propunham o diálogo entre a arte japonesa e ocidente,
com foco na atuação de Kakuzô Okakura (também conhecido por Tenshin Okakura)
como intermediador neste diálogo. Desdobraremos esse tema através das relações
de Okakura, podendo assim analisar, além das continuidades e rupturas em seu
pensamento, as dinâmicas específicas do seu papel e importância no diálogo
entre Japão e ocidente. Seguiremos o marco cronológico, da sua relação com
Ernest Fenollosa no Japão, suas posteriores viagens ao ocidente e dentro do
continente asiático, buscando delinear sua relevância para o pensamento
oriental. Kakuzô Okakura (1863-1913) foi um intelectual, colecionador e um
representante da cultura oriental, cujo período de atividade está inserido nos
debates interculturais e a remodelação do Japão no período Meiji. Sendo um dos
poucos japoneses com domínio do inglês e domínio da cultura ocidental,
naturalmente a ocupação de mediar as relações culturais entre Japão e Ocidente,
estabelecendo comunicações e diálogos por uma vasta gama de relações,
impulsionadas por suas atividades institucionais do governo japonês. Nascido em
Fukui, a então capital da província de Echizen no período, e vindo de uma
família samurai. Seu pai, que criou interesse no desenvolvimento do comércio,
conseguiu a permissão para abandonar sua função e dedicar-se ao comércio em
Tóquio e Yokohama. Tendo crescido em Yokohama, local que possuía a maior
comunidade estrangeira do Japão, a formação de Okakura adquire desde cedo
características multiculturais, Okakura frequentou uma escola missionária
inglesa, tendo grande domínio do idioma, e foi enviado aos treze anos para a
instituição que viria a se tornar a Universidade Imperial de Tóquio (東京帝國大學 Tōkyō teikoku daigaku) onde conheceu o seu frequente
colaborador do qual foi intérprete, Ernest F. Fenollosa. Fenollosa, americano
de origem, havia sido contratado para ensinar filosofia ocidental naquela
instituição, porém era um grande amador da cultura e arte tradicional japonesa.
Após conhecer Okakura, os dois se tornaram frequentes colaboradores. Após sua
graduação, Okakura entra para o ministério de educação japonês, sendo enviado
em 1886 como membro da comissão imperial de arte para estudar a história da
arte e movimentos contemporâneos da arte europeia e norte-americana. Sob a
tutela de Fenollosa, o grupo viajou cerca de um ano, tendo inspirado Okakura a se
envolver mais na arte oriental.
Figura 1: Da esquerda para a
direita: Edward S. Morse, Kakuzô Okakura, Ernest Fenollosa, William Sturgis
Bigelow. Disponível em:
<https://www.bostonglobe.com/magazine/2015/03/26/seeing-hokusai-boston-thank-this-eccentric-brahmin/YAZU2OQgA8c4M7ysBiNPBP/story.html>
Acesso em 22 Mai. 2019
Sendo conhecido no Japão por criar a
primeira escola moderna de arte (東京藝術大学 Tōkyō Geijutsu Daigaku) em Tóquio, Okakura possui grande
relevância dentro e fora do Japão. Além do seu extenso contato com os Estados
Unidos (especificamente Boston), suas obras encontram grande relevância na
sociedade japonesa mesmo após sua morte. O uso do nome Tenshin 天心 (em tradução literal os kanjis significam
respectivamente “céu” e “coração”), utilizado por Okakura apenas para suas
correspondências pessoais e poemas, o uso e distinção entre os dois nomes por
parte de estudiosos recebe grande atenção no contexto do pós-guerra.
“Okakura Kakuzō
foi e continua sendo chamado de Okakura Tenshin. Seu nome ‘Tenshin’, no
entanto, foi popularizado após sua morte. Nosso costume de chamá-lo de
‘Tenshin’ começou na década de 1930 e o nome carrega o sentido dele ser um
herói, um profeta da grande guerra do leste asiático.
Logo, os problemas sobre o nome ‘Tenshin’ sugerem um outro capítulo a respeito do destino da era moderna japonesa dos anos 20 até os 30, culminando na guerra que resultou na rendição incondicional do Japão.” (NAGAHIRO, Kinoshita. “Okakura kakuzō as a historian of art” in: Review of Japanese culture and society, Honolulu, v. 24, p. 26, jan. 2012. Tradução Nossa)
Logo, os problemas sobre o nome ‘Tenshin’ sugerem um outro capítulo a respeito do destino da era moderna japonesa dos anos 20 até os 30, culminando na guerra que resultou na rendição incondicional do Japão.” (NAGAHIRO, Kinoshita. “Okakura kakuzō as a historian of art” in: Review of Japanese culture and society, Honolulu, v. 24, p. 26, jan. 2012. Tradução Nossa)
A circulação de
suas ideias e diálogos interculturais, portanto, tiveram um amplo
reconhecimento mesmo após sua morte, em contextos artísticos, intelectuais e
políticos dentro do Japão. Seus livros publicados em inglês tiveram grande
relevância na América do Norte e Europa, além de estabelecerem diálogos entre
as culturas artísticas modernas dentro da Ásia.
“A significância de Okakura em
retrospecto é importante, tanto dentro do Japão quanto em outros países da
Ásia; e também sua influência no pensamento modernista na Euroamerica antes da
Primeira Guerra Mundial. Existiram poucas figuras do período Meiji que
combinaram ação e ideias com tamanha intensidade como Okakura e com tão amplo
apelo, tanto em vida quanto até os dias de hoje percorrendo tantos grupos
artísticos, intelectuais e políticos tanto da direita quanto da esquerda dentro
do Japão. Além disso, seus livros em inglês foram amplamente lidos na Europa e
na América do Norte como a quintessência de uma atitude estética moderna
japonesa. Eles também foram resultados materiais de uma mudança entre a cultura
moderna da India em especial, e o Japão, o primeiro intercâmbio ‘horizontal’ na
Ásia.
Da perspectiva geral pós 1945 de,
por exemplo, Miyagawa Torao 宮川寅雄 em 1956, Okakura deveria ser entendido politicamente como detentor de ideias que,
na década de 1930 seriam chamadas de ‘ultranacionalista’ (kokusuiteki, 国粋的), mas que no campo da arte seria uma pessoa de cultura
moderna que realizou grandes contribuições para a criação da arte na sociedade
civil. No Japão Meiji, as ideias de Okakura foram parte de uma corrente
ideológica que se aderiu fortemente aos ideais nacionalistas. No entanto, no
decorrer dos seus vínculos modernos com o círculo de apoiadores da sua Academia
de Arte Japonesa após 1898, suas ideias foram posteriormente associadas com a
ideologia de uma expansão agressiva do Japão no continente Asiático que se
concretizou na década de 1930.” (CLARK, John. Okakura tenshin and aesthetic nationalism. East asian history, Sidney, australia, v.
29, p. 12, jun. 2005.
Tradução Nossa)
O seu verdadeiro
trabalho como interlocutor no diálogo entre Japão e Ocidente, não ocorreu nas
primeiras viagens ao ocidente sob a tutela de Fenollosa, mas em um segundo
momento, em 1904, após a publicação de “Ideals of the East”, e seu contato com
a Índia. Sendo esta a primeira obra de Okakura publicada diretamente em inglês,
foi baseada em aulas para mulheres inglesas e estadunidenses em Tóquio. Dentre
essas alunas, destaca-se o papel de Josephine Macleod (1858-1949), uma cidadã
americana que tivera participação ativa no movimento Ramakrishna Vivekananda na
Índia, sendo responsável pela viagem de Okakura ao país entre 1901-1902.
Macleod era devota e amiga de Swami Vivekananda, tendo sido um elo fundamental
na divulgação de suas ideias no ocidente, e responsável pelo seu encontro com
Okakura, o qual foi de fato a inspiração de Okakura para dirigir-se de forma
mais incisiva ao público ocidental.
“Alguns estudiosos
japoneses já sugeriram que o notável sucesso que Vivekananda tivera no
Parlamento Mundial de Religiões na feira mundial de Chicago em 1893
(Vivekananda, Swami 194-210) tenha inspirado Okakura na sua divulgação da arte
japonesa ao público americano. A própria palestra de Okakura na feira mundial
de St. Louis em 1904, chamada ”Problemas modernos na pintura de um ponto de
vista japonês” pode ser interpretada como imitação de Vivekananda (no sentido
de seguir o mesmo caminho) e digna de comparação com a palestra de Vivekananda
em Chicago.” (INAGA,
Shigemi, “Okakura Kakuzô’s Nostalgic
Journey to India and the Invention of Asia”, in: FISHER, Susan, (org) Nostalgic Journeys: Literary Pilgrimages
between Japan and the West, CJR Japan Research Series, 2001,
pp.119-132. Tradução Nossa)
Além de apropriações da filosofia de
Vivekananda, que se encontra principalmente na sua ideia em “receber o novo,
porém sem destruir a tradição” ou em sua frase “Asia is one” (Ásia é uma), que
foi inserida após o período de edição por Nivedita (também associada a
Vivekananda) na Índia.
Okakura desejava realizar pesquisas
nas coleções de artes do Museum of Fine Arts em Boston (MFA), escrevendo
no Museum of Fine arts Bulletin em 1905, um artigo elogiando a variedade da
coleção do museu, dando destaque para a coleção do período Tokugawa., porém
ressaltou a ausência do estudo, e a necessidade por parte do museu por meio de
publicações e estudos, de conectar os estudantes e não deixar a apreciação apenas
no campo do exótico e desconhecido. Okakura ainda ressalta a importância do
cuidado e preservação das obras em relação ao clima do país, e a necessidade de
reparo de das mesmas (OKAKURA, Kakuzô, Japanese and Chinese Paintings in the
Museum. Museum of Fine Arts Bulletin, Boston, v. 3, p. 3, jan. 1905).
O início de sua carreira como autor
(ainda pouco conhecido) também é marcado pelo erro na grafia de seu nome no
livro “Ideals of the East”, sendo escrito como “Kakasu Okakura”, sendo
repetido não só na capa, mas na folha de rosto e introdução. partindo para os
Estados Unidos acompanhado dos seus discípulos Yokoyama taikan (1868-1958),
Hishida Shunso (1874-1911) e Rokkaku Shisui (1866-1950). Os três artistas
tiveram exposições em Nova Iorque, Cambridge e Washington (OKAMOTO, 2006).
Okakura participou também do Congresso de Artes e Ciências na Universal
Exposition em Saint Louis, e publicou em Novembro de 1904, Awakening of Japan,
seu segundo livro em inglês, escrito sob grande influência dos seus diálogos com
o movimento de Vivekananda, e que atraiu também grande atenção do público
ocidental.
“Em contraste a The Ideals of the East, The Awakening of Japan tinha com alvo
principal o povo Americano. Neste livro, Okakura expressou sua gratidão pela
cooperação Americana ao ajudar o Japão a se juntar ao comitê internacional de
nações. Apesar do Livro do Chá, sua
próxima publicação, ser mais famosa e mais lida no presente, The Awakening of Japan attracted teve
mais atenção e mais avaliações no momento de sua publicação.” (OKAMOTO, Yoshiko, “Okakura Kakuzo’s
Cultural Appeal in America” International Conference: Trans-Pacific Relations:
East Asia and the United States in the 19th and Early 20th Centuries, New
Jersey , p. 6, 2006. Tradução Nossa)
A sua trajetória
como autor no Ocidente é também marcada no contexto político pelo expansionismo
militar e econômico japonês, que no ocidente foi representado pela propaganda
ameaçadora do “perigo amarelo” representado pela pintura encomendada pelo Kaiser
Wilhelm II, representando um Buda amarelo, levantando-se de forma
ameaçadora no horizonte europeu. Séries de artigos de jornais foram escritos, e
o slogan ganhou grande vigor nos Estados Unidos, com ataques raivosos contra
imigrantes chineses, japoneses e coreanos. Com a partida de Okakura coincidindo
com a guerra com a Rússia em 1904, seu posicionamento, fluência em inglês, e o
fato de sempre portar-se como um asiático, inclusive utilizando sempre
vestimentas tradicionais asiáticas, tornou Okakura uma presença reconhecida nos
Estados Unidos, publicando o artigo “Japan and the ‘Yellow Peril’” no Evening
Post, em Março de 1904, ressaltando a relutância japonesa de entrar em guerra
com a Rússia e a natureza pacífica da civilização asiática. Um texto com um teor
semelhante à propaganda japonesa divulgada no ocidente (OKAMOTO, 2006). Sua
visão sobre o tema muda em O Livro do Chá, onde aponta o fato do
respeito do ocidente pelo Japão começar com a admiração do potencial destruidor
do poderio militar japonês contra a Rússia, lamentando o fato da barbárie da
guerra ter maior devoção do que o potencial da arte (Cf. OKAMOTO, Yoshiko,
“Okakura Kakuzo’s Cultural Appeal in America” International Conference:
Trans-Pacific Relations: East Asia and the United States in the 19th and Early
20th Centuries, New Jersey, p. 11-12, 2006). Se por um lado, Okakura em um
primeiro momento teve um discurso em sintonia com a propaganda nacional
japonesa enxergando uma nação poderosa asiática contra o ocidente, em um
segundo momento ele encontra a significância da expansão militarista como
sintomas de problemas culturais e o nascimento de um poder imperialista.
Okakura respondeu
ao perigo amarelo com um conceito correspondente ao status do branco na Ásia,
algo que ele chama de Desastre Branco, definido pela conquista e hegemonia
cultural e política do ocidente no continente asiático, submissão econômica e
apagamento da integridade moral e orgulho asiático, onde a imitação e admiração
da cultura europeia se tornou uma realidade infeliz. Okakura ressalta porém,
que o Ocidente possuía um conhecimento extremamente supérfluo sobre a Ásia e
cultura asiática. Kornohen (2001) argumenta que Okakura ao ressaltar a ausência
de profundidade sobre os conhecimentos dos acadêmicos ocidentais sobre o oriente,
inicia claramente o argumento que Edward Said publicou em sua obra “Orientalismo:
o Oriente como invenção do Ocidente”, ligando a visão distorcida e criada sobre
o “outro” oriental por parte do ocidente como a construção de uma visão que
servia aos interesses do colonialismo. Apesar da quantidade de relatos de
viagens e textos sobre a Ásia já possuir grande número, a sua grande maioria
era desinformação, e a permanência e o uso destas mesmas obras para a educação
dos próprios orientais poderia provar ser desastrosa.
“Um japonês podia
ver que livros escritos sobre o Japão eram em sua maioria, besteira, e um
indiano poderia dizer o mesmo da literatura sobre a Índia, mas o único meio
para um Chin~es obter informações contemporâneas da Pérsia, ou um Siamês sobre
a Coréia, era pelo academicismo Ocidental, e não haviam maneiras de relativizar
a desinformação contida nestes livros. Logo, asiáticos em geral foram
sistematicamente educados a desprezar outras culturas e países asiáticos,
perdendo também seu próprio auto-respeito.”(KORNOHEN, Pekka. The Geography of
Okakura Tenshin. Japan Review, n. 13, p. 116-117, 2001.)
Okakura portanto
provou-se seminal na criação de uma história da arte japonesa, e na introdução
da arte japonesa no ocidente. Apesar de, como afirma NAGAHIRO (2012), apesar da
história escrita e descritiva da arte japonesa ter existido antes de Okakura,
estas não eram escritas históricas stricto sensu, mas uma genealogia de
linhagens artísticas acompanhadas por biografias curtas e coleções de símbolos
e selos para ajudar colecionadores e estudiosos, mas não possuíam um método
para sistematização ou análise de trabalhos e vidas dos artistas no sentido
histórico. Neste sentido, Okakura pode ser considerado o primeiro estudioso a
pensar na construção de uma narrativa histórica da arte japonesa e métodos de
periodização.
Sua formação, assim como a sua concepção própria de arte é fortemente influenciada pela filosofia ocidental, se encontrando principalmente na dialética hegeliana, enfatizando a manifestação do espírito da arte não como uma abstração ou satisfação de desejos, mas para estimular uma resposta da consciência. John Clark afirma em seu artigo “Okakura Tenshin and Aesthetic Nationalism” que o texto de Bernard Bosanquet “A Introdução à filosofia hegeliana das Belas Artes” estava na biblioteca da Escola de Belas artes de Tóquio em 1891, período em que Okakura dirigiu a instituição, o que torna seguro dizer que Okakura teve amplo contato com a obra. Em “Ideals of The East”, por exemplo, ele aponta para a divisão histórica tripartida apresentada por Hegel em seu sistema das formas de arte: simbólica, clássica e romântica. ( CLARK, John. Okakura Tenshin and aesthetic nationalism. East asian history, Sidney, australia, v. 29, p. 1-38, jun. 2005.)
Sua formação, assim como a sua concepção própria de arte é fortemente influenciada pela filosofia ocidental, se encontrando principalmente na dialética hegeliana, enfatizando a manifestação do espírito da arte não como uma abstração ou satisfação de desejos, mas para estimular uma resposta da consciência. John Clark afirma em seu artigo “Okakura Tenshin and Aesthetic Nationalism” que o texto de Bernard Bosanquet “A Introdução à filosofia hegeliana das Belas Artes” estava na biblioteca da Escola de Belas artes de Tóquio em 1891, período em que Okakura dirigiu a instituição, o que torna seguro dizer que Okakura teve amplo contato com a obra. Em “Ideals of The East”, por exemplo, ele aponta para a divisão histórica tripartida apresentada por Hegel em seu sistema das formas de arte: simbólica, clássica e romântica. ( CLARK, John. Okakura Tenshin and aesthetic nationalism. East asian history, Sidney, australia, v. 29, p. 1-38, jun. 2005.)
O envolvimento cultural
de Okakura nos Estados Unidos foi o período em que escreveu O Livro do Chá
sendo a principal introdução do “Chanoyu” ao ocidente. Algo que Sen Soshitsu
XV, autor do posfácio do Livro do Chá, e “iemoto” (Grande Mestre) da escola
Urasenke de chá entre 1964 e 2002, considerava algo surpreendente, visto que
Okakura, apesar de ter estudado a cerimônia do chá na juventude em Tóquio, não
atribuiu importância à tradição em suas obras anteriores ou demonstrava
interesse no assunto. Em Ideals of the East, por exemplo, Okakura não chega a
mencionar o nome de Sen no Rikyu, figura histórica frequentemente considerada a
mais importante na tradição do chá no Japão. Para MURAI (2012) Okakura passa a
considerar o “chanoyu” como um tema mais interessante no seu
envolvimento com a comunidade bostoniana. Okakura encontrou apoiadores como
John La Farge, a quem Okakura dedicou o “Livro do Chá”, William Sturgis
Bigelow, um antigo conhecido colecionador de arte oriental, que viajou ao Japão
em 1882 com Edward Sylvester Morse, que já havia discutido a simplicidade
artística do aposento do chá em “Japanese Homes and Their surroundings” (1886)
além de mulheres como Isabella Stewart Gardner, colecionadora e amiga de
Okakura, que também colecionava arte oriental, que, apesar de não ter conhecido
Okakura em 1883 quando esteve no Japão (ainda que tivessem o mesmo círculo de
amizades), por indicação de La Farge, pediu que Okakura estudasse e analisasse
sua coleção de arte oriental. Após a morte de Okakura, Gardner altera a
disposição de “Fenway Court” (atual museu Isabella Stewart Gardner),
ampliando a sala chinesa, desta vez sem objetos ocidentais, acumulando peças
antes dispostas separadamente no museu, além de dispor objetos de Okakura no
primeiro piso, incluindo o telegrama que informava sua morte. (WESTON, Victoria. East Meets West: Isabella Stewart
Gardner and Okakura Kakuzo. Exploring Treasures in the Isabella Stewart Gardner
Museum V. p. 35,1992)
Em conclusão, a
preocupação em construir uma história da arte por parte de Kakuzô Okakura
proporcionou a possibilidade de intermediador artístico e como um dos
principais interlocutores no diálogo cultural entre Japão e o ocidente. Após o
direcionamento do seu discurso ao ocidente, Okakura tornou-se uma figura
influente em estudiosos e figuras interessadas na arte asiática na América,
enquanto paralelamente Okakura gostaria de elevar a arte oriental aos olhos dos
próprios asiáticos, lutando pela manutenção da arte tradicional incorporando
elementos do ocidente.
Leonardo Souza Alves
é formado em História pela Unesp e mestrando em história da Arte pela Unicamp.
souza_leo@outlook.com
CLARK,
John. Okakura tenshin and aesthetic nationalism.
East asian history, Sidney, Australia, v.
29, p. 12, jun.
2005.
INAGA, Shigemi,
“Okakura Kakuzô’s Nostalgic Journey to India and the Invention of Asia”,
in: FISHER, Susan, (org) Nostalgic Journeys: Literary Pilgrimages between
Japan and the West, CJR Japan Research Series, 2001, pp.119-132.
KORHONEN, Pekka. The Geography of Okakura Tenshin. Japan
Review, Quioto, v. 13, p. 107-127, jan. 2001.
MIKI, Tamon. The Influence of Western Culture on
Japanese Art. Monumenta
Nipponica,
Tóquio, v. 19, p. 380-401, jun. 1964.
MURAI, Noriko. Okakura's Way of Tea: Representing
Chanoyu in Early Twentieth- Century America. Review of Japanese Culture and
Society, Honolulu, v. 24, p. 70-93, jan. 2012.
NAGAHIRO,
Kinoshita. Okakura Kakuzo as a Historian of Art. Review of Japanese Culture
and Society, Honolulu, v. 24, p. 26-38, jan. 2012.
OKAKURA,
Kakuzô. O Livro do Chá. 3 ed. São
Paulo: Estação Librdade, 2008.
OKAKURA, Kakuzô.
The Ideals of the East: With Special Reference to the art of Japan. Nova Iorque: E.P Dutton & Co., 1904.
OKAKURA, Kakuzô, Japanese and Chinese Paintings in the
Museum. Museum of Fine Arts Bulletin, Boston, v. 3, p. 3, jan. 1905
Okakura Kakuzo, 1862-1913. Museum of Fine Arts Bulletin, Boston, v. 11, n. 67, p. 72-75, 1913
OKAMOTO,
Yoshiko, “Okakura Kakuzo’s Cultural Appeal in America” International
Conference: Trans-Pacific Relations: East Asia and the United States in the
19th and Early 20th Centuries, New Jersey , p. 6, 2006
WESTON, Victoria. Japanese Painting and
National Identity: Okakura Tenshin and His Circle. Ann Harbor: Center for japanese Studies
University of Michigan, 2003.
WESTON,
Victoria. East Meets West: Isabella Stewart Gardner and Okakura Kakuzo. Exploring
Treasures in the Isabella Stewart Gardner Museum V,1992
Caro Leonardo,
ResponderExcluirParabéns pelo artigo. Gostaria de dialogar com o seu texto sobre um ponto em comum interessante. Como você bem escreveu, a própria palestra de Okakura na feira mundial de St. Louis tinha influências da fala de Vivekananda em Chicago com a célebre frase “tenho orgulho de pertencer a uma nação que acolheu todas as outras religiões em algum momento da história”. E ainda que nas obras The Ideals of the East e The Awakening of Japan tangenciem o assunto, creio que a obra The Tea Book seja aquela que Okakura mais buscou “vender” a ideia de um Japão aos moldes do pensamento e arquétipos ocidentais ao dizer que “O século XV viu o Japão enobrecer uma religião estética – Teaism (chaismo). (...). [que] É, essencialmente, um culto à imperfeição.” Aqui ele lança os conceitos estéticos do Wabi-Sabi iniciados por Rikyu como uma “religão” ou “filosofia” aos moldes ocidentais e não como uma arte passada por gerações (芸道) como é comumente apresentado pelos autores japoneses. Não sei você já se defrontou com esta questão, mas gostaria de saber em que medida me pensamento este em acordo com a suas leituras.
Obrigado.
Joanes da Silva Rocha
Olá Joanes, tudo bem?
ExcluirO livro do Chá foi o livro que me introduziu ao autor, uma obra extremamente interessante. Como eu citei no texto, o Okakura era um autor improvável para o Livro do Chá, e com certeza a vivência dele na sociedade Bostoniana influenciou bastante a sua decisão de introduzir a cerimônia do chá e o estudo da mesma em seu círculo de amizades e colaboradores. Na minha visão, a visão do Okakura sobre o chaísmo, é justamente criar uma visão de uma religião baseada na estética do imperfeito. De certa forma, poderíamos dizer que esta é uma ideia trazida até do ideals, relevando o fato de como o Japão utilizou essa influência do consumo do chá. Apesar do autor utilizar a palavra religião diversas vezes no texto para falar do chaísmo, em vários momentos ele expressa uma ideia de "religiosamente" para se direcionar aos métodos e formas da cerimônia em si. Em diversos momentos ele cita "religiously" e "akin to religion", utilizando muito mais a palavra "cult" (culto) para falar do chaísmo.
Acredito que duas questões devem ser relevadas sobre isso, e a primeira seria a posição do Okakura como principal interlocutor neste diálogo cultural entre Ocidente e Oriente, e o fato de suas obras serem de caráter introdutório e explicativo, sendo um guia geral ou talvez mais um panorama geral. Mas por outro lado, a ideia de uma "religião" interligada com a estética dialoga muito com a trajetória política do Okakura dentro dos debates artísticos dentro do Japão. Acredito que não consigo concluir neste momento se existe um projeto do próprio Okakura em assimilar o chaísmo enquanto religião, se os estudos dele sobre a história do consumo e da tradição o fizeram encarar a cerimônia como uma religião, ou se ele utilizou os termos que se referem a religião para relevar a importância da cerimônia para o público ocidental. Mas creio que esta é uma questão bem interessante para se analisar.
Abraço,
Leonardo Souza
Muito obrigado pela explicação. De fato, encontramos aqui um problema da própria etimologia da palavra "religião" e sua traduções. O próprio Confucionismo muitas das vezes é lido como religião ou filosofia. Mas gostaria de ler seus futuros textos sobre o assunto.
ExcluirAbraço,
Joanes Rocha
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Leonardo, por você falar em um intelectual das artes no Japão do séc. XIX gostaria de que você me enviasse, ou melhor, sugerisse nomes de expoentes do pensamento filosófico oriental sem cunhos religiosos.
ResponderExcluirObg,Rafael Ramos Teixeira.