A INFLUÊNCIA DO ETHOS
DO SUL DO JAPÃO NA FORMAÇÃO DO BUSHIDO
Edelson Geraldo
Gonçalves
Introdução
Este texto busca discutir a influência da moral conservadora do sul do
Japão durante o início da Era Meiji, mais precisamente no período entre 1868 e
1890, sobre ethos samurai (bushido) que surgiu e se cristalizou no país
majoritariamente no período entre os anos 1890 e 1905 da mesma era, tendo se desenvolvido em essência sobretudo
entre as guerras Sino-Japonesa (1894-1895) e Russo-Japonesa (1904-1905).
O bushido é um ethos, baseado em pretensos valores tradicionais dos
samurais, criado na década de 1890 e que se tornou internacionalmente conhecido
através do livro “Bushido: The Soul of Japan” de Nitobe Inazo, publicado
originalmente em língua inglesa, nos EUA em 1899.
As fontes essenciais consultadas para este estudo são documentos
produzidos principalmente entre o início da Era Meiji e o ano de 1905, se
concentrando em documentos oficiais como os Rescritos Imperiais de Soldados e
Marinheiros (1882) e Educação (1890), contando também com textos que transmitem
testemunhos de época, nas palavras de autores como Lafcadio Hearn, Natsume
Soseki e Okuma Shigenobu.
As Duas Faces do
Japão Meiji
A Restauração Meiji de 1868 que iniciou o processo de modernização em um
Japão subjugado pelos tratados desiguais da diplomacia da canhoneira das
potências ocidentais teve dois projetos específicos nesse campo, um primeiro
liberal e ocidentalizante e um segundo de natureza culturalmente conservadora.
No primeiro projeto, adotado não coincidentemente como sinônimo de
progresso no auge da influência dessa ideia no Ocidente (no período entre 1840
e 1890) [Le Goff, 1990, p. 260], foi encorajada a adoção de hábitos ocidentais
(dos valores ao vestuário e alimentação) e o banimento dos “maus e velhos
hábitos”, como coloca George Sansom [1951, p. 378]. O objetivo principal desse
projeto de modernização era conquistar o respeito das potências ocidentais,
para que reconhecessem o Japão como uma nação moderna e civilizada e suspendessem
os tratados desiguais que limitavam a soberania do país e feriam o orgulho
nacional [Gluck, 2015, p. 570].
No entanto, a medida que a Era Meiji avançava os governantes e a opinião
pública japonesa foram gradualmente perdendo as esperanças com esse plano,
principalmente pela progressiva constatação da natureza imperialista da dita
empreitada civilizadora do Ocidente na África e na Ásia e da necessidade de se
adotar uma postura similar e afirmativa para adquirir o almejado respeito.
Dessa forma na década de 1890 o governo Meiji estabeleceu o plano
conservador de modernização, passando a valorizar a cultura nativa e banindo o
anterior projeto de ocidentalização.
Essa trajetória caracterizou a modernização japonesa que décadas depois,
em 1935, Nohara Komakichi [1936, p. 17-21] constatou ter atribuído ao país uma
“dupla face” perceptível, uma moderna e ocidentalizada, que passava aos
observadores a sensação de que a ocidentalização do Japão seria progressiva e
inevitável, e a face conservadora, tradicional, que chamava atenção para suas
características próprias dentro da modernidade.
Para Nohara [1936, p. 22] essa modernidade culturalmente tradicionalista
seria a verdadeira face do Japão, sendo a outra face, a ocidentalizada, uma
mera máscara.
Projetando um Novo
Ethos
Com o novo projeto de modernização veio a necessidade da promoção de um
novo ethos, em substituição ao que se buscava inculcar no projeto anterior, e
se nas palavras de Fukuzawa Yukichi (1834-1901), possivelmente o maior dos
defensores do primeiro projeto, uma civilização igual à ocidental era a meta da
civilização japonesa [Fukuzawa, 2009, p. 17-43], no segundo projeto a afirmação
da civilização japonesa passou a ser o objetivo.
Essa afirmação se daria por meio da valorização da cultura samurai elevando
a ascendência ao pretenso espírito moral desse estamento social a toda a
população japonesa, e não apenas a uma pequena fração da mesma.
Inicialmente, no período do projeto liberal de modernização, essa
identificação não era apenas indesejada como inviável, uma vez que os
ex-samurais (shizoku) e toda a memória de seu status social sofriam com a
antipatia da população em geral, estando não apenas oficialmente entre os “maus
e velhos hábitos” que deveriam ser banidos, mas também identificados como elementos
de opressão pelos ex-membros dos
estamentos sociais que compunham a plebe do Período Tokugawa (camponeses,
artesãos, comerciantes e párias) e zombados pela imprensa como membros
preguiçosos e incompetentes dentro na nova ordem. Isso também era agravado pelo
fato da imagem dos ex-samurais ter sido ligada a ideia de desordem por serem os
protagonistas de várias revoltas contra o governo Meiji, entre as quais se
destaca a Revolta de Satusuma de 1877 [Benesch, 2014, p. 37-38].
Essa visão predominantemente negativa dos samurais no início da Era
Meiji afetou inclusive observadores estrangeiros que estavam no Japão e sobre
ele escreviam naquele momento, como por exemplo William Elliot Griffis
(1843-1928), que em seu livro “The Mikado’s Empire” de 1876, demonstra uma
visão dos samurais bem diferente do arquétipo heroico que que seria propagado
na maioria dos escritos sobre o Japão alguns anos mais tarde:
“As ideias de honra do samurai o proibiam de fazer qualquer trabalho ou
se envolver em qualquer negócio. Seu único dever era manter a negligente vigia
do castelo ou casa de seu senhor, seguir a comitiva de seu mestre e, em
ocasiões determinadas, aparecer vestido cerimonialmente. Sua vida foi de
ociosidade e conforto; e, como se pode imaginar, os longos séculos de paz
serviram apenas para desenvolver o caráter perigoso desta grande classe de
desocupados armados. Alguns, de fato, eram estudiosos, ou engajados com
“zelo em exercícios marciais, ou se tornaram professores, mas a maioria
passou a vida comendo, fumando e descansando em bordéis e casas de chá, ou
levou uma vida selvagem de crime em uma das grandes cidades” [Griffis, 2006, p.
323].
Contudo, com a progressiva perda de fé por parte do governo Meiji no
modelo liberal ocidentalizante de modernização, e com a própria passagem do
tempo suavizando a opinião popular sobre as samurais (inclusive pela morte de
muitos que com eles conviveram e da presença de jovens que não viram a Era
Tokugawa) a imagem dos samurais foi sendo aos poucos reabilitada, em um
processo que começou na década de 1880 e teve o “Rescrito Imperial para os
Soldados e Marinheiros” de 1882 como o documento que mais claramente atesta
esse fato.
O Rescrito dos Soldados e Marinheiros foi escrito em um período no qual
as autoridades Meiji já buscavam uma modernização que “procedesse em seus
próprios termos, e de uma maneira congruente com as mais veneráveis tradições
do passado”. Assim, buscando melhor transmitir para a população geral o senso
de ética que julgavam adequado os oligarcas do governo Meiji publicaram em 1882
o “Rescrito Imperial para os Soldados e Marinheiros” contendo palavras
atribuídas ao Imperador Meiji, mas cujas ideias são de autoria do Presidente do
Conselho Legislativo, General Yamagata Aritomo (1838-1922) em conjunto com o
Secretário-Chefe da Câmara dos Pares Inoue Kowashi (1844-1895) e com a forma da
redação determinada com o apoio do jornalista, romancista e teatrólogo Fukuchi Gen'ichiro
(1841-1906) [McClain, 2002, p. 201-202].
Este documento era voltado aos militares e futuros militares japoneses e
prescrevia as formas para o serviço ideal ao trono [McClain, 2002, p. 202],
enfatizando essencialmente cinco pontos: “O soldado e o marinheiro devem
considerar a lealdade seu dever essencial”, “O soldado e o marinheiro devem
observar estritamente a respeitabilidade”, “O soldado e o marinheiro devem
estimar a bravura”, “O soldado e o marinheiro devem estimar a fidelidade e a
retidão”, “O soldado e o marinheiro devem fazer da simplicidade o seu
objetivo” [Emperor Meiji’s Imperial
Rescript to Soldiers and Sailors, 1943, p. 241, 242, 243, 244].
Temos indícios de que a inspiração moral para este texto vem da moral
das elites do sul do Japão, sobretudo da ilha de Kyushu, que naquele momento se
diferenciava do que ocorria em Honshu por resistir à proposta ocidentalizante
de modernização. Como percebeu o orientalista Lafcadio Hearn (1850-1904) ao ir
morar e lecionar na cidade de Kumamoto em Kyushu em 1891, uma cidade
reconstruída, que havia sido arrasada ao servir como um dos campos de batalha da
Revolta e Satsuma ocorrida em 1877, na qual precisamente o tradicional modo de
vida dos samurais era defendido pelos revoltos contra as tropas do governo.
Segundo Hearn [1895, p. 29] Kyushu havia abraçado a modernização
técnica, mas resistido a ocidentalização dos costumes, e dessa forma permanecia
“a
parte mais conservadora do Japão, e Kumamoto, sua principal cidade, era o
centro desse sentimento conservador”.
centro desse sentimento conservador”.
Por
esse conservadorismo característico, contrastante com a forte presença da
ocidentalização que Hearn percebera em Honshu anteriormente, o autor deu à
moralidade local (que posteriormente seria facilmente chamada de bushido) o
título de “espírito de Kyushu” em seu livro “Out of the East” publicado em
1895. Para o autor esse espírito de Kyushu era uma moralidade caracterizada
“por sua adesão a tradições de conduta que foram quase esquecidas em outros
lugares”, em um ambiente no qual o “antigo espírito samurai ainda vive” [Hearn, 1895, p. 30].
Outro
forasteiro que observou este comportamento predominantemente conservador do
povo de Kyushu foi o romancista Natsume Soseki (1867-1916), que após quatro
anos em Kumamoto (1896-1900); lecionando inglês como substituto de Lafcadio
Hearn, que havia se mudado para Kobe; escreveu o romance “Sanshiro”, publicado
em 1908, que tem como tema o choque de um jovem criado em Kumamoto ao se
defrontar com o modo de vida mais liberal e ocidentalizado de Tóquio, quando
foi para esta cidade após ser aceito na Universidade Imperial [Natsume, 2013].
Outros indícios da presença predominante desse ethos conservador na
Kyushu da Era Meiji podem ser vistos em momentos marcantes de revolta social de
samurais ocorridas nessa região, não apenas a Revolta de Satsuma de 1877
liderada por Takamori Saigo, mas também, antes disso, o movimento da Shinpuren
(Liga do Vento Divino) que surgiu em 1876, composto por cerca de 200
ex-samurais, que evocando a simbologia do “vento divino” (Kamikaze) que teria
protegido o Japão da invasão mongol no século XIII, se ofereciam para libertar
o Japão dos bárbaros estrangeiros e de sua influência [Keene, 2002, p.
264-266].
Esse movimento foi suprimido após um ataque fracassado a uma guarnição
militar em Kumamoto em 24 de outubro de 1976. Contudo mesmo em sua derrota
estes revoltosos foram postumamente reconhecidos como heróis, e homenageados no
santuário Sakurayama em Kumamoto [Keene, 2002, p. 266].
Essa
valorização da cultura samurai presente em Kyushu tem antecedentes importantes
anteriores a Era Meiji, como por exemplo o livro “Hagakure” (Oculto pelas
Folhas) de autoria de Yamamoto Tsunetomo. Este manuscrito, não formalmente
publicado antes do final da Guerra Russo-Japonesa e a partir daí propagandeado
como um dos grandes manuais da moral samurai da Era Tokugawa [Benesch, 2014, p.
21].
Escrito
entre 1710 e 1716, em seu conteúdo essencial o Hagakure registra uma
resistência ao ideal do shogunato Tokugawa para os samurais, que os convertia
primariamente ao papel de burocratas em uma era de paz. É um texto que repudia
as letras e as artes e enaltece a lealdade e a morte. Em outras palavras é um
texto nostálgico que louva um idealizado passado dos samurais anterior à Era
Tokugawa. O Hagakure era um “código de clã” não tendo sua influência ido muito
além das fronteiras do domínio de Nabeshima em Kyushu, mas mesmo com seu
limitado alcance suas ideias cruzaram o Estreito de Shimonoseki, chegando ao
domínio de Choshu (no extremo sul de Honshu) onde teria sido lido e
influenciado Yoshida Shoin (1830-1859), um importante ideólogo do domínio de
Choshu e professor dos principais líderes da Restauração Meiji vindos desse
território [Benesch, 2014, p. 21; McClain, 2002, p. 82].
Entre
estes discípulos de Yoshida encontramos o General Yamagata Aritomo [Jansen,
2000, p. 396], um dos principais líderes do governo Meiji, servindo inclusive
como primeiro ministro em algumas ocasiões, e, como já mencionado um dos
principais redatores do “Rescrito Imperial para os Soldados e Marinheiros”.
Em
seus estudos com Yoshida em Choshu, Yamagata aderiu a seu ideário que somava os
ideais do Hagakure às ideias dos pensadores nativistas (kokugaku) do século
XVIII, que pregavam a restauração do poder imperial em substituição ao
shogunato [Morris, 1906, p. 177],
resultando assim que nos ensinamentos de
Yoshida a virtude da lealdade, que no texto do Hagakure é devida a cada senhor
guerreiro, fosse transferida para a figura do Imperador. É precisamente essa
noção de lealdade que está presente no Rescrito Imperial para os Soldados e
Marinheiros.
Um
segundo documento oficial que incorpora estes valores (somando-os ao ideal
confucionista da “piedade filial”), mas não os direciona mais exclusivamente
aos militares, mas a toda a população por meio do sistema educacional é o
“Rescrito Imperial para a Educação” [2008] de 1890.
Este
documento, provavelmente redigido pelo cortesão Motoda Nagazane (1818-1891),
também contou com a ativa participação de Yamagata para sua validação, ao
garantir que um protegido seu, Yoshika Akimasa (1842-1920) assumisse o posto de
ministro da educação e assegurasse a implementação do projeto educacional
sumarizado nesse documento [Duke, 2009, p. 349-354].
A
publicação destes dois rescritos imperiais se deu no período em que o governo
Meiji começou sua transição do projeto liberal e modernização para o projeto
conservador, e além desses documentos oficiais o zeitgeist desse período também
gestou outro elemento relacionado, o conceito de “bushido”.
O
termo “bushido” surgiu pela primeira vez na década de 1880, sendo provavelmente
de autoria do político Yukio Ozaki (1859-1954), um dos pensadores empenhados em
mostrar que a civilização japonesa se igualava aos ditos países “civilizados”
do Ocidente, e cunhou esse conceito para nomear um ethos nacional que seria
equivalente ao código da cavalaria (chivalry) e do “cavalheirismo”
(gentlemanship) da Inglaterra, em um período no qual a fascinação japonesa com
o Ocidente esmorecia e as memórias da Era Tokugawa se empalideciam, o que em
consequência possibilitou o resgate da imagem dos samurais convertendo-os em um
ideal de virtude [Benesch, 2014, p. 5, 41].
A
teorização sobre o bushido se ampliou na década de 1890 com contribuições de
vários autores por meio de artigos na imprensa e principalmente pelo conteúdo
da revista “Bushido”, ganhando ainda mais força no meio dessa década com a
eclosão da Guerra Sino-Japonesa (1894-1895) e sua consequente propaganda
anti-China, que minimizava a contribuição da civilização chinesa à cultura
japonesa e exaltava os elementos nativos, entre os quais foi somado o bushido
[Benesch, 2014, p. 11, 85-90].
Em
1899 o conceito de bushido se tornou conhecido no Ocidente com a publicação nos
EUA do livro “Bushido: The Soul of Japan” de Nitobe Inazo
(1862-1933), apresentando esse conceito em língua inglesa e alegando que se
tratava de um “ethos nacional” do Japão, profundamente enraizado em seu passado
[Nitobe, 2005].
Em
1901 o texto de uma palestra proferida à Escola Preparatória Militar pelo
influente filósofo e professor da Universidade Imperial de Tóquio, Inoue
Tetsujiro (1855-1944), foi publicada como um livro com o título “Bushido”
alcançando grande notoriedade [Benesch, 2014, p. 99].
A
ideia do bushido foi amplamente propagandeada no Japão poucos anos depois, durante
a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), cristalizando-se no imaginário da nação
sendo um conflito no qual os soldados identificavam-se amplamente com os
samurais e nas palavras do Conde Okuma Shigenobu (1838-1922) [1907, p. xi]: “A
performance do verdadeiro espírito dos samurais japoneses [que lutaram na
Guerra Russo-Japonesa] é radicalmente diferente dos homens que aparecem para
lutar na linha de frente apenas com a expectativa de condecorações e dinheiro
diante de seus olhos”.
Em 1908 o livro de Nitobe foi traduzido para o japonês e
progressivamente foi se tornando o principal referencial sobre o conceito de
bushido tanto no Japão quanto fora dele, preservando ainda hoje o status de
texto mais influente sobre a natureza dessa tradição [Benesch, 2014, p. 2-3].
Uma Tradição
Inventada
Em seu livro “A Invenção das Tradições” o historiador Eric Hobsbawm
[2002, p. 9] define o conceito de “tradição inventada”, “um conjunto de
práticas” [...] “[que] visam inculcar certos valores e normas” [...] “[através
e uma suposta] continuidade com um passado histórico apropriado”.
O bushido surge no contexto que Hobsbawm [2002, p. 271] define como o
período de “invenção em massa das tradições” (1870-1914), em que “inventam-se
novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e rápidas”
dentro de uma cultura, em outras palavras a tradição inventada é ao mesmo tempo
uma reação à modernização assim como um fenômeno que é parte dela.
Isso é exatamente o que ocorria no Japão, apesar de ser pretensamente uma
tradição antiga, contemporânea dos samurais, o bushido era efetivamente uma
característica do Japão moderno, não um ethos de estamento, mas sim um ethos
nacional, sendo que a estrita consciência nacional japonesa foi uma inovação
trazida pela Era Meiji.
Essa tradição inventada, segundo os indícios aqui analisados, tem suas
raízes pré-modernas na moralidade do sul do Japão e nas práticas de samurais de
domínios como Nabeshima, Kumamoto e Choshu, que por vezes cultivavam hábitos
pelos quais podiam se diferenciar dos guerreiros de outras regiões (notadamente
Honshu), não tendo dessa forma valores universalmente padronizados [Benesch,
2014, p. 17].
Conclusão
O bushido se tornou uma parte importante da doutrinação estatal japonesa
até a derrota na Segunda Guerra Mundial em 1945, e permaneceu posteriormente
como um importante traço cultural do Japão sendo ainda considerado pelo senso
comum como uma tradição legítima desse país, podendo isso ser constatado não
apenas em mídias como filmes, romances, quadrinhos e jogos como também em
conteúdos informativos como reportagens e inclusive textos acadêmicos.
Contudo em textos especializados e mesmo livros recentes de história
geral do Japão constata-se que este é um constructo do moderno Estado-Nação
japonês, uma tradição inventada que, como aqui foi visto, incorpora
características morais e ideológicas do sul do Japão, e as sintetiza em um
ethos nacional alegadamente de grande antiguidade.
Referências
Edelson Geraldo Gonçalves é Doutor em
História Social das Relações Políticas pela Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES) e membro do Laboratório de Teoria da História e História da
Historiografia (Lethis) da mesma instituição. Atualmente Pós-Doutorando pela
UFES, bolsista PROFIX/FAPES. Mail: edelsongeraldo@yahoo.com.br
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Edelson parabéns pelo seu trabalho. Gostaria de saber se durante sua pesquisa, existe algum autor que cita os escritos de Miyamoto Musashi, em especial o ''Livro dos cinco elementos''. Me parece que o Hagakure é quase uma contraparte do Gorin no Sho em muitos aspectos, incluindo a assimilação feita por Musashi das artes ao código samurai, porém também possui certas resistências as mudanças que ocorreram na categoria bushi durante esse período Tokugawa-Meiji.
ResponderExcluirMatheus Felipe
Olá Matheus. Obrigado por ler o texto. O Gorin no Sho de Musashi passou a ser listado entre outras obras (como o Hagakure) como um documento do bushido do Japão pré-moderno em 1909 e passou a ser realmente famoso após a publicação dos capítulos do romance Musashi de Eiji Yoshikawa no jornal Asashi Shinbun entre 1935 e 1939. Quanto as diferenças entre o Hagakure e o Gorin no Sho (assim como de outros escritos como os de Yamaga Soko, Daidoji Yuzan e Yagyu Munenori), elas são naturais uma vez que não havia um código samurai centralizado na Era Tokugawa, apenas alguns clãs específicos adotavam de forma independente códigos de conduta (chamados kakun) para seus samurais.
ExcluirEdelson Geraldo Gonçalves
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa noite, Edelson. Parabéns pelo seu trabalho.
ResponderExcluirPara ilustrar o período Meiji e o papel dos samurais, você considera que o uso de animes (Blade) pode contribuir para trabalhar história comparada? Ou seria apenas a reprodução de esteriótipos de samurais que ocorrem em alguns animes?
Victoria Regina Borges Tavares Melo
Olá Victoria, obrigado por ler o texto. A representação dos samurais nos animes é um desdobramento da visão sobre estes no período pós-guerra (após 1945) principalmente a representação feita no cinema. Logo, como fonte os animes expressam mais a visão da sociedade japonesa do pós-guerra sobre os samurais do que uma reconstrução histórica dos mesmos. Por exemplo, se o anime a que você se refere é "Blade of the Immortal" esta é uma história que se espelha na tradição cinematográfica do "Jidaigeki Cruel" (que tem como destaques os diretores Tadashi Imai e Masaki Kobayashi), gênero de filmes de samurai que é crítico a estes personagens e ao código do bushido, alegadamente reverenciado por eles, sendo mais objetivamente uma crítica aos valores da sociedade do Japão Imperial (1868-1945), que efetivamente inventou o bushido, e dos conservadores do pós-guerra que ainda cultivam estes valores.
ExcluirEdelson Geraldo Gonçalves